1/25/2015

O que há no porão da sua alma?

Você é saudável. Corre vinte quilômetros e bebe cerca de seis litros de água diariamente. Vai a academia, pratica esporte, quase não tem tempo pra sair com os amigos porque sua vida anda agitada e você vive se equilibrando entre o corpo são e mente sã, mas o que há no porão da sua alma?

Você é divertido. Tem uma meta de vida que é fazer o máximo de pessoas sorrirem em sua presença. Você vive rindo e fazendo os outros rirem. Adora contar uma piada sem graça porque sabe que aquilo será um motivo cômico pra risadas eclodirem na roda de amigos, mas o que há no porão da sua alma?

Você é culto. Todo mês separa dinheiro para ir a livraria e comprar livros novos. Já leu desde obras indianistas até os clássicos de terror do Sr. King. Assiste debate político e consegue facilmente dá uma palestra com seu posto de vista. Vê jornais diários e lamenta pela humanidade caótica mas continua com sua vida, mas o que há no porão da sua alma?

Você é trabalhador. Todos os dias acorda às cinco, come um pãozinho com manteiga e toma um cafézinho rápido pra não se atrasar. Lê o jornal no metrô porque não tem tempo de ficar parado e ver o ponteiro do relógio correr contra você. Tem uma rotina de oito às cinco e está sempre cansado demais pra ser feliz porque trabalha demais, mas o que há no porão da sua alma?

Aprecie o movimento. É isso que lhes digo de todo o coração. Ficar parado é constrangedor e enlouquecedor. Não deixe sua alma se acostumar com uma determinada coisa ou um determinado fato. Seja sempre você mas mude todos os dias. Faça algo diferente uma vez por dia, faça algo que nunca fez uma vez por dia. Melhore, mude, evolua. 

Vi milhares de homens fortes e saudáveis morrerem por doenças absurdas, vi milhares de palhaços entrarem em depressão, vi muita gente culta se perder no meio de tanta informação e vi muito trabalhador perder seu cargo em questão de segundos. 

Não se apegue ao que não existe. Você é saudável agora, portanto, seja saudável agora! Não deixe de viver sua vida, aproveitar os dias e os amigos porque você tem a necessidade de ser saudável. 

Você é divertido agora, portanto, seja agora mas quando algo lhe incomodar, dê-se o luxo de chorar feito criança pequena. Grite, se preciso for! Berre pra quem quiser e quem não quiser ouvir. A sanidade nada mais é que a insanidade oculta. É preciso extravasar um pouco pra não enlouquecer de vez. 

Você é culto agora, portanto, seja culto agora. Não corrija sempre seus amigos, isso é um fardo chato. Você é chamado de corretor ortográfico ambulante aonde quer que vá e talvez isso seja motivo de orgulho pra você, mas acaba sendo incrivelmente insuportável para os que rodeiam. Nem fale de política o tempo inteiro. Às vezes, as pessoas só precisam da sua companhia e não dos seus absurdos. 

Você é trabalhador agora, portanto, seja trabalhador apenas agora. Não deixe que seu trabalho lhe limite. Não deixe que isso te tome tempo, a saúde, o sono ou a vida. Vi milhares de homens, como vos disse antes, viverem para o trabalho e morrerem para si. Trabalhar é preciso, todos nós sabemos, mas é necessário viver. Portanto, antes de tudo: viva. Sinta-se feliz ao acordar para trabalhar e tente não ver isso como um fardo insuportável que só paga suas contas. 

Espero que o porão da sua alma seja repleto de felicidade e coisas boas, mas que haja um pouco de tristeza e angustia pra você nunca se esquecer que tudo passa e a nada e ninguém deve apegar-se ao ponto de depositar sua felicidade naquilo ou naquele. E, acima de tudo, que haja amor aí. Que haja muito amor! Posse não, apenas amor. E que você seja capaz de amar tudo e todos da mesma forma. Sem apego e sem prisão, um amor puro e livre. Um amor que faça o porão da sua alma se tornar uma sala de estar

1/23/2015

A vida é um trânsito caótico numa sexta-feira à noite.

Eis que chega a tão esperada sexta-feira. Você esperou a semana inteira por esse bendito dia. O calor é insuportável, mas você continua sorrindo para as pessoas, para os animais e até mesmo para as flores que trombam contigo no caminho. Está tudo relativamente bom demais porque hoje é sexta-feira e amanhã não há trabalho chato, horário pra acordar ou chefe perguntando sobre os relatórios.

Você sai do trabalho com a alma leve, o sorriso estampado pra quem quiser ver. Dá boa noite para o porteiro e cumprimenta os vizinhos no elevador. Todos notam como você está radiante e se entusiasmam com seu sorriso largo.

Você chega em casa já tirando os sapatos, joga a bolsa no sofá e já disca para a primeira amiga da lista. Depois de confirmar com as outras três amigas, você vai para o seu banho de beleza. Demora meia hora em um banho que em qualquer outro dia levaria apenas cinco minutos. Sai do chuveiro cantarolando a música pop do momento que você, durante a semana, está enjoada de ouvir, mas hoje não. Hoje é sexta-feira e aquela música é sua canção favorita no mundo inteiro.

Depois de uma hora ou duas, você está pronta. As amigas estão no saguão esperando você. Todas arrumadas como quem estivesse indo para a maior e melhor festa de suas vidas. Todos os sorrisos combinam naquele momento. Quase como se um sorriso não pudesse existir sem o outro. Você está linda! Suas amigas estão lindas. Tudo está completamente maravilhoso.

Eis que chega a hora de ir para a tal festinha. A boate, o bar, o pagode, o funk – ou seja lá para onde você esteja indo. Todas estão no mesmo carro e você está feliz por não ser a motorista da rodada porque a intenção do dia é de dar um grande pt!

O semáforo foi do amarelo para o vermelho. Biquinhos surgem dentro do carro. Estão loucas para chegar ao destino. E abre. Então os próximos semáforos parecem não cooperar e quase todos estão vermelhos quando vocês estão próximas a eles.

Como se não bastasse, há um acidente bem na rota que liga o caminho até o local de desejo. Um trafego caótico. Carros buzinam, gritaria, criança que grita no carro do lado, gente que está voltando do trabalho com caras emburradas e olhando com inveja ou desdém para o carro onde você está.

Nada anda. Tudo está estagnado. O tempo corre. Meia hora, uma hora, uma hora e meia. A impaciência está no limite. Não há como voltar ou pegar outro caminho. Você precisa estar ali! Não há para onde fugir ou se esconder. Seus pés começam a doer antes mesmo de estar dançando, suas pernas estão formigando e seu bumbum está completamente quadrado! Você só tem um leve desejo: você quer ir pra casa. 

O ar condicionado está ligado, mas isso não impede que o suor comece a rolar pelo seu rosto. A maquiagem está borrada, as amigas estão estalando a língua a cada instante e o barulho da notificação do whatsapp está te irritando muito.
Você só quer ir pra casa!

Duas horas e meia depois, vocês conseguem sair daquele trafego horrível e desmotivador. Mais meia hora para chegar ao destino. Todas estão com aquela feição de que o dia fora destruído. Não há bar que salve, não há boate que te levante, não há pagode que te melhore e muito menos funk que te anime. Você quer ir pra casa.

Ninguém mais está sorrindo ou feliz. A boate para onde decidiram ir está vazia. Há um grande show na cidade onde todo mundo parece estar. Você está puta da vida! É um dia de merda onde deveria ser um dia animado, feliz e descontraído.

Suas amigas insistem para que fique com elas quando você resolve voltar para casa. Você não está com cara de muitos amigos e acaba sendo estúpida com elas. “Melhor você ir embora”, elas pensam. E é o que você faz.

Um táxi, quarenta minutos depois e quase oitenta reais gastos, você chega em casa. Tira os sapatos, joga a bolsa no sofá e abre a geladeira pra se embriagar com o primeiro vestígio de álcool que surgir.


Um vinho e um programa de culinária depois, você está apagada no sofá da sala pensando: a vida é um transito caótico numa sexta-feira à noite. 

1/07/2015

Valsa da Meia Noite.

A morte é como uma piada infame contada por aquele parente chato que chega sem ter sido convidado para as festas do fim de ano. Talvez, a morte seja exatamente o parente chato. Vejo a morte como uma descrença de vida. É como conseguir provar a um religioso que o seu grandioso Deus nunca existiu.

Receio que a morte nunca fora bem vinda em nenhum lugar. É como uma peste que se alastra e toma conta de cada indivíduo presente naquele meio. Quando alguém morre, todos aqueles que estavam por perto e o adoravam morrem um pouco também.

Vejo-a como uma velha amiga de colegial que não vejo há anos e volta e meia se esbarra comigo pelas ruas para contar-me as novidades. Mas as novidades nunca são boas. É aquele tipo de novidade que faz você não querer se esbarrar com aquela velha amiga de novo. Nunca mais. Mas ela sempre aparece.

É tortuoso acreditar que conheci homens que foram a guerras, que construíram inúmeras armas nucleares e morreram como meros animais indefesos. Porque, no fim, nós somos iguais e a carne apodrece da mesma forma para o bom e para o mau, para o rico e para o pobre, para o branco e para o negro.

Ainda pensando sobre tais homens que conheci, admiro muito a morte nesse quesito: deixar-lhes acreditar que são invencíveis para depois morrerem como quem  nada fosse. Homens que serviram a pátria morreram por uma gripe, homens que fizeram guerras morreram por uma virose boba mal curada.

A morte sempre estará presente em nós assim como a vida está. Porque, na verdade, aprendi mais sobre essa pequena intrusa: ela não está nem aí para o que você quer ou deixa de querer. Passamos uma vida inteira fazendo planos, juntando dinheiro, preocupando-nos com as contas para pagar e o dinheiro que nos falta mas nunca paramos para viver intensamente sem nos importar com o amanhã.


Hoje é um dia decisivo. Talvez não para mim ou para você, mas com certeza para alguém. Hoje alguém vai morrer. Hoje alguns irão morrer. Talvez milhares. E não há nada que possamos fazer. Nem Deus, nem medicina, nem ciência e nem tecnologia alguma nos salvará da morte. Estamos destinados a ter um fim. Espero que o meu não seja tão trágico assim. 

1/02/2015

Apatia.

Já tinha pena dos homens que restaram na humanidade. Não porque era boa demais para eles ou se achasse superior em algo, mas sabia – lá no fundo – que nenhum deles poderia acrescentar mais nada. Tudo que havia pra sentir, já havia sentido. A dor, a perda, o amor, a paixão, as malditas borboletas queimando suas entranhas e divertindo-se ao deixa-la acordada noites à fio.

O que lhe restava para degustar de cada homem era o prazer sexual e admirável. Ela gostava de admira-los por muitas horas. Após o coito, acendia um cigarro enquanto sentava-se no parapeito da janela e ficava observando o rapaz da vez deitado em sua cama, coberto com seu lençol, sorrindo de lado para aquela figura estranhamente pálida ao reflexo lunar.

Não era capaz de sentir coisas novas, ela sabia. Odiava a si mesma por isso. Fora, inclusive, um dos motivos para desacreditar dos Deuses: ela não conseguia sentir felicidade ao estar na presença de outro homem. O amor não existia para ela. O carnal existia e esse vingava, mas isso era tudo.

Ainda sentada naquele parapeito do seu apartamento, conversava secretamente com a lua a questionar tal problema. Se achava estranha, doente até. Se achava louca! Como poderia um ser humano não sentir prazer algum na companhia de um rapaz? Ela os achava entediantes a partir do momento em que eles começavam a lhe contar suas histórias infantis.

Era sempre tudo tão igual. Os homens eram diferentes. Ela tentava, tentava mesmo! Queria muito sentir alguma coisa, seja o que fosse. E ela sentia mas nunca o que esperava. Desprezo era tudo que sentia. Às vezes, pré-sexo já estava entediada do rapaz da vez mas o carnal falava mais alto naqueles momentos e ela prosseguia. Talvez, por descuido do destino, ele fosse o rapaz pelo qual ela sentiria alguma emoção.

Talvez esse fosse o maior problema dela: tentar demais. Dizem que quando tentamos muito algo, conseguimos. Talvez com ela seja exatamente o inverso. Ou, tratando-se de sentimentos, seja exatamente isso: não correr atrás porque um dia chegará para ti. No fundo, ela também sabia disso. Só não aguentava mais esperar pelo dia que alguém lhe traria alguma emoção.


Não contente com o destino, eis que resolveu ir em frente. Seguiu uma rota antes jamais feita. Decidiu arrumar as malas e foi embora. Não tinha destino, não tinha dinheiro, não tinha ideia. Só sabia que precisava ir. E foi! Sabe lá Deus qual fora o destino final dessa pobre moça mas fiquei sabendo que houveram mais rapazes em sua vida. E absolutamente nenhum deles lhe trouxe suas malditas e amadas borboletas estomacais outra vez.