1/26/2017

A casa.

Lembra quando planejamos comprar uma casa e enche-la de flores com direito a espécimes que poderíamos jurar que nós inventamos? Lembra que o plano era primeiro a sacada, depois o jardim e pouco importava como seria por dentro? Eu lembro. 

Pensei nesta casa em particular no momento em que saí da cama esta manhã. O sol que entrava pela fresta da janela fazia um rastro até onde, supostamente, deveria ter alguém ao meu lado quando eu acordasse, mas não havia ninguém. 

Ao abrir a janela, eu vi a cidade. Mórbida, cinza, sem um pingo de felicidade lá fora. Isso fez com que eu quisesse me deitar na cama até o sol se despedir do céu, mas eu não podia. Lembra que a gente dizia que dias tristes eram feitos para contemplar nosso verdadeiro eu e não ficar abalados? Eu lembro, mas ainda não consigo tamanha astúcia. Volta e meia, quando triste, eu volto pra cama e espero o sol se recolher. Eu queria que você estivesse aqui. 

O que me doeu não foi a cidade em si - a gente costumava dizer que toda cidade tem esse mesmo design, como se fosse arquitetada para que nossos olhos não se perdessem muito tempo em paisagens. -, o que doeu foi abrir a janela e não ter aquele jardim ou as flores. Eu não tenho uma sacada. 

Quando abro a minha janela, estou em frente a um jardim. É bonito, se você achar que ele é. Mas não é meu jardim. É o jardim do vizinho da frente. Vizinho que me acena toda manhã enquanto sua esposa com cabelos grisalhos está recolhendo algumas frutas. Olha, eles plantaram frutas. A gente só queria flores pra colorir a nossa existência, nem pensamos que talvez plantar frutas fosse algo mais inteligente da nossa parte. 

O sol se esconde quando, pela segunda vez, eu tento sair da cama. Ouço aquele barulho gostoso que sempre me fazia correr pra debaixo do edredom e procurar sua mão que, geralmente, estava gelada. Percebo que a chuva chegou mais cedo a cidade. E não tem mão alguma para que eu possa entrelaçar. Eu realmente queria que você estivesse aqui. 

O que me conforta são as cartas que prometemos fazer uma vez ao mês e guarda-las, como espécie de proteção aos nossos sentimentos. Eu releio centenas de cartas diariamente. Quando fecho os olhos e passo os dedos pelas letras que escreveste, sinto o peso e a pressão da caneta sob suas mãos. Forte. Selvagem. Urgente. E eu sabia que era assim que se sentia em relação a gente. 

Todas as cartas são de cores diferentes e eu sempre me pergunto onde você comprava, eu queria saber onde havia tantos envelopes coloridos na cidade quando eu só te deixava cartas em envelopes brancos. E eu começo a gargalhar pensando que, se eu perguntasse, você me acharia tola. Eu queria que você estivesse aqui pra gargalhar comigo e me chamar de tola. 

Nunca tivemos a casa dos nossos sonhos, mas hoje eu moro numa casa que talvez seja o sonho de alguém. Isso, de um certo modo, me conforta. Porque eu lembro daquela casa que sonhamos, eu lembro como se eu pudesse ter morado nela junto a você. Mas você se foi, tão rápido quanto o sol desta manhã. 

Ainda não consigo contemplar meu verdadeiro eu. Há tantas memórias vívidas dentro de mim que contemplação alguma me faria esquecer. Eu não quero aprender a contemplar meu verdadeiro eu, também. Algo em mim diz que é errado. Algo em mim diz que contemplar minha solidão e a sua ausência é o certo a fazer. E é isso que eu faço, todos os dias. 

Eu sempre leio as cartas. 

1/23/2017

Tempo - espaço.

Sempre penso que eu fiz dezenas de escolhas erradas e meia duzia de escolhas certas. Quando olho para mim perante ao espelho, percebo que cada caminho que trilhei ou desviei me moldou de tal forma que já não posso pensar no que eu fora. Eu não sou mais quem eu fui e jamais, num tempo futuro, voltarei a ser quem eu sou. 

Quando me distancio de mim para dar espaço a nostalgias, percebo que há coisas que nunca, de fato, me findaram. Eu acabei me tornando exatamente quem eu sempre quis ser, alguém que eu do passado jamais ousou ou pensou se tornar. Quando olho para trás, vejo a menina imatura e prematura, quase que jogada ao mundo para enfrentar os leões diários. Hoje, a gente anda em bando que é pra caçar melhor. 

Volta e meia, mesmo sabendo que estou melhor agora, penso em como as coisas poderiam ter sido caso eu tivesse feito apenas uma escolha diferente. Ainda seria aquela menina? Ainda estaria com aquele rapaz? Ainda seria tão inconsequente? Ainda estaria por aí tentando me descobrir? Nunca foi o "E se" que me atormentou, foi o "tanto faz". Porque, pra mim, tanto faz mesmo nunca ter tido uma segunda chance perante as pessoas e as coisas que já passaram por mim. 

A única certeza que me cabe agora é que as escolhas que faço, por mais banas e pequenas que pareçam, moldarão meu futuro de modo que eu traçarei planos, retas e trilhas diferentes das quais eu imaginei algum dia e isto, no fim, é sempre bom. Sou uma eterna aprendiz de mim mesma e, no fim do dia ou da vida, isso é tudo que conta: nunca ter certeza de quem você foi, nunca saber quem se é, mas ter sempre a expectativa de ser alguém melhor pra si mesmo amanhã.