12/27/2013

Redefinindo-se

Todas as canções que eu fazia era sobre Sophia. Toda e qualquer vírgula era sobre ela. Eu escrevia em guardanapos enquanto bebia uma dose de vodca no bar e também era sobre ela. E meus poemas baratos e meus rabiscos em qualquer lugar. Tudo, basicamente, era sobre Sophia. Sobre a falta que Sophia fazia na minha vida.

Ao fechar os olhos, eu lembro dela com aquele cabelo tão louro que, contra a luz, quase cegava quem olhasse por muito tempo, eu lembro das pequenas rugas que formavam-se ao redor dos seus olhos todas as vezes em que ela sorria e eu estava acostumado com essas pequenas rugas porque Sophia era uma pessoa sorridente e talvez seja por isso que eu tenha me apaixonado por ela.

Lembro-me daquela tarde vazia e solitária que a conheci. Sophia adentrara o restaurante completamente ensopada pela chuva, com seus cabelos longos e louros e com seu um metro e setenta. E outras pessoas bonitas entraram atrás dela mas apenas ela me chamou atenção porque, de todas, Sophia  riu de si mesma após se olhar no espelho em frente a entrada, todos as outras pessoas apenas se horrorizavam com sua aparência molhada. Mas ela ria. Gargalhava.

E eu ri junto, tão alto e tão inocente que fizera todos do recinto virarem seus olhares impiedosos contra mim. E ela me olhou, também. Mas ela não acalentou o riso frouxo, ao contrário: ela riu mais ainda. E sorrimos juntos, eu de cá e ela de lá. E aquele era o sorriso mais bonito do mundo inteiro.

Quando Sophia veio em minha direção naquele dia, tudo que eu aprendi sobre mulheres e sobre a vida se apagava da minha memória a cada passo que ela dava e ficava mais próxima a mim. Então, parei de sorrir. Por que naquele instante eu sabia que se ela perguntasse, eu nem saberia dizer meu nome porque de algum modo estranho eu me esqueci de tudo enquanto ela vinha em minha direção.

Eu lembro dessas coisas porque esse tipo de coisa não se esquece e eu contei para ela há alguns meses atrás, antes de tudo acontecer, e ela sorriu como quem sorri para alguém que acabara de lhe dar um presente tão inesperado e tão surpreendente. E me beijou a boca.

Naquele dia, no dia em que conheci a Sophia-molhada-e-risonha, eu descobri que tudo que eu sabia – ou achava que sabia – sobre as mulheres, o universo feminino e essas bobagens todas era um punhado de clichê e falta de conhecimento. Em três horas de conversa Sophia me ensinou mais do que minha ultima namorada havia me ensinado e embora Elisa fosse linda de morrer, eu nunca senti por ela o que eu senti por Sophia em apenas algumas horas mesmo que eu tivesse passado cinco anos da minha vida junto a Elisa.

Eu conheci Sophia há dois anos e meio, num restaurante na esquina da minha casa e, por deboche do destino, na esquina da casa dela, também. Eu me sentia abençoado por isso e aquilo que conquistara em minha vida mas não tanto quanto eu me sentia abençoado por tê-la em minha vida. Sophia era uma dessas pessoas que a gente duvida que exista de tão incrível que é.

Mas Sophia não era só incrível. Era maluca, também. Mas uma maluca do melhor jeito possível. Do tipo que acorda de bom humor e não reclama da rotina, da que come de tudo e não te diz nunca que tá de dieta, da que sabe perfeitamente a hora de desabrochar de rir e só esquece de parar. E Sophia era uma pessoa deliciosa porque me trazia uma paz infinita todas as vezes em que, por ventura do destino, nos encontrávamos na esquina da nossa rua.

Como se não bastasse, tinha um gosto musical incrível e se vestia como bem entendia. E todos os dias eu conhecia um pouco mais sobre a Sophia. Dos seus gostos, dos seus costumes, dos seus sonhos e realizações mas eu também conhecia suas tristezas e magoas – e era nessas horas que eu queria abraça-la forte e dizer que eu a protegeria de qualquer coisa.

Mas, pro meu desespero, Sophia era uma pessoa muito descrente do amor. Me contara dos seus romances falidos e abaláveis que fizera perder toda a fé em algo que ultrapasse algumas semanas. E isso me doía muito. A noite, sem Sophia, eu me engatilhava a chorar e rezar pra que nada pudesse me tira-la. E eu tinha uma fé enorme que um dia ela perderia esse medo e angustia de amor outro ser humano. Eu costumava alerta-la de que todos os seus amores foram passageiros até me encontrar e que eu lhe mostraria o que é ser amada de verdade, como jamais fizeram para ela. Ela sorria e afagava minha mão mas nunca me dizia nada. O silêncio me consumia mas ela não dava tempo para que eu pensasse no dia de amanhã sem ela porque sempre que falávamos a respeito do amor Sophia dormia junto a mim e não ia embora antes que eu acordasse.

E Sophia permaneceu comigo. Éramos o que os outros pode chamar de metade da laranja, alma gêmea ou qualquer outra coisa. E eu também achava isso. E todos aqueles dias eram perfeitos e mágicos porque ela era uma mulher perfeita e mágica que me fazia acreditar que eu poderia amar uma única pessoa por toda a minha vida. E eu a amava com tanta força, com tanto desespero, com tanta pressa e urgência e ela sempre tão calma, sempre tão intensa mas nunca desesperada como eu. E talvez tenha sido aí que tudo deu errado: eu a amava duma forma tão profunda que era visível para qualquer ser humano. Só ela não viu.

Então, num dia quente e ensolarado, acordei sorrindo porque Sophia estava ali ao meu lado, o dia estava lindo lá fora e era um novo dia para ama-la e para fazê-la acreditar em meu amor. Obviamente meu sorriso evaporou assim que eu levantei e não vi Sophia em nenhum lugar do apartamento, nem pela janela, nem no restaurante da esquina, nem na esquina, nem na casa dela que era de esquina com a minha. E nesse dia Sophia foi embora levando de mim tudo que eu tinha por dentro. Levou meu amor consigo e deixou no lugar um coração falido e fodido, diga-se de passagem. Sophia levou consigo minha alegria de viver.

Todas as canções eram sobre ela, todas as poesias, as rimas tolas e toscas. Tudo na cidade era Sophia. E todas as mulheres de cabelos louros tinham um semblante familiar que me lembrava ela. E todas as risadas que eu ouvia enquanto eu andava pelas ruas pareciam ser dela, embora a dela fosse muito mais gostosa de se ouvir.

E durante muitos anos Sophia fora o centro do meu universo, mesmo tendo partido e nunca mais retornado. E nesse tempo em que tive entre tentar viver sem Sophia e prosseguir sem Sophia, me tornei um cara mais desacreditado do amor, das pessoas, do mundo em si. Por que doía muito, ainda, e eu não queria que alguém fosse capaz de me fazer todo aquele mal outra vez.

E, por deboche do destino, brincadeira sádica de algum demônio ou coisa parecida, entrei em um bar todo molhado da chuva, completamente encharcado e com um cabelo horrível, do outro lado havia um espelho do qual pude me ver e rir da minha própria situação precária. Então uma risada explodiu na ultima cadeira em frente ao bar. Era morena, tomava um Campari com gelo e limão, e nada naquela mulher me fizera esquecer quem eu era ou o que eu queria, por que eu sabia, agora, o que eu queria. E naquele momento eu tive certeza de que eu precisava viver sem Sophia. E a minha vida tinha um sorriso lindo me esperando na ultima cadeira do bar. 

O mundo aqui dentro.

O despertador tocava alguma canção sussurrada da Sarah Jaffe enquanto eu relutava para abrir os olhos e levantar daquela cama quente e deliciosa, como ficam em dias chuvosos que precisamos sair e enfrentar o mundo. As persianas, do outro lado do quarto, abriram-se violentamente e deixando a claridade do dia adentrar o quarto enquanto aquela luz ainda machucava meus olhos não acostumados com aquela claridade e por um momento quase quis xingar baixinho mas só ronronei e virei para o outro lado, pondo um travesseiro sobre o rosto na tentativa de escurecer um pouco as coisas mas Sarah Jaffe ainda estava ali e seu tom tornava-se mais alto e claro e ouvi uma risada explodir do outro lado do quarto, junto as persianas. Era ele. 

Com seu cabelo bagunçado, sua barba por fazer, seus incríveis olhos azuis, cruzando os braços sob o peito enquanto vestia apenas um moletom e sorria travesso para mim. Relutava para levantar e quando minha mente fazia menção em levantar, meu corpo recuava e eu caia com tudo na cama outra vez.
Ele atravessou o quarto com passos largos, seus pés estalando pelo piso de madeira, e ajoelhou-se no chão enquanto debruçava-se na cama. E ficou ali, com as mãos estendidas próximas ao meu rosto e o afagou devagar e sutil. 

Ele tinha essa maneira de me mostrar que me amava. Não precisávamos de palavras para mostrar ao outro e fazê-lo entender que era amado, nós éramos um tanto que maior que isso. Conversávamos por olhares. Olhares que se encontravam, se esbarravam, se entreolhavam a cada instante só para mostrar ao outro o quão apaixonados éramos um pelo outro. E naquele momento eu percebi que não queria sair daquela cama. Eu não queria levantar e enfrentar a cidade lá fora. Eu queria ficar aqui, com ele debruçado sob a cama enquanto afagava cada parte do meu rosto. Era duma forma tão sutil que me faziam sorrir e fechar aos olhos, como se eu estivesse indo adormecer outra vez e fosse sonhar com algo bom.

E eu não queria levantar, tomar café, tomar banho e ir à cidade. Eu não queria enfrentar o dia frio, eu não queria enfrentar o trânsito, eu não queria enfrentar a fila na hora de ir comprar um café, eu não queria enfrentar o escritório, eu não queria enfrentar pessoas de terno e gravata e mulheres de salto às oito da manhã. 

Eu queria ficar ali deitada sentindo todo o amor do mundo em alguns toques e em olhares profundos e misteriosos. Eu queria porque éramos incríveis dessa forma, nunca soubemos dizer um ao outro o quão importante éramos porque as palavras pareciam pequenas e tolas perto do que sentimos, a verdade é que nenhuma palavra no mundo, nenhum livro romântico, nem uma frase feita serviria para começar a explicar ao outro o que se sente.

Então, ele me traz de volta a realidade e senta ao meu lado, puxa meu corpo ainda fraco para perto de si e deita minha cabeça em seu colo, enquanto ele percorre meu rosto com seus lábios macio mas sem beijar nenhuma parte. Seu aroma era doce e seu hálito gelava cada parte do rosto por onde seus lábios percorriam. Aquilo hábito era incrível e mágico para mim e tornou-se algo rotineiro, o fato dele fazer isso todas as manhãs é que me fazia não querer enfrentar o mundo lá fora e me refugir em seu peito quente e macio. Suas mãos fortes e grandes acarenciava a área entre o pescoço e o ombro e deslizava até a altura do meu seio e depois voltava, repetindo o ciclo dezenas vezes. E aquilo me faz lembrar que Sarah Jaffe ainda ecoa pelo quarto, cantando a minha canção favorita, e dizendo para nós “Agora eu me sinto diferente”. E era exatamente assim que eu me sentia: eu me sentia diferente e sei que ele também sentia-se assim.
Era por sentir-me diferente que eu não queria sair daquele quarto.

Por que o diferente, para nós, era o amor. E eu me sentia amada. Ele nunca me apressava ou me dizia que íamos nos atrasar para algum compromisso, ele sempre esperava minha vontade de levantar aparecer enquanto me fazia cafunés infinitos e deliciosos. Eu queria aquilo todos os dias, todas as manhãs, todas as horas e a todo o momento e ele sabia disso e era por saber daquilo que ele se punha a fazer. Então levanto com uma relutância fora do normal e me tranco no banheiro e só saio de lá com a cara limpa e com aroma de frutas vermelhas.

Ele parece sentir pois assim que saio do banheiro lá está ele, do lado de fora, esperando e me sorri com aquele sorriso mais bonito no mundo todo e me puxa suavemente deixando a toalha deslizar sob o meu corpo até alcançar o chão. Eu adoro a gravidade. E olha nos meus olhos como quem tivesse tanto a dizer mas não sabe como dizer tanta coisa e só olha porque olhar não cria duvidas e não te faz duvidar, ele me olha porque ele sabe a importância de um olhar profundo enquanto envolve meu corpo com seus braços fortes e morenos e me arranca suspiros só de me abraçar um pouco mais forte que o normal e me faz arrepiar os pelos da nuca. Ele, então, me beija.

Me invade de uma forma doce e sensível, como nenhum outro homem já fez antes. Seus lábios macios roçam os meus e eu perco o fôlego a cada vez que ele chega tão perto assim. E pega as minhas duas mãos e vai andando ao encontro da cama, ainda virado para mim. Senta e espera alguma divindade acontecer mas só existe nós ali, só existe nossas almas e nossos corações batendo tão rápido e alto que eu quase posso ouvir. Por fim, se deita e me olha. Me olha com aquele olhar de desejo que nenhum outro cara no mundo lá fora tem, me olha como quem precisa de mim agora mesmo. E eu não sei como parece ser o meu olhar para ele mas eu retribuo o olhar de desejo. Por que eu preciso dele, também, e eu preciso dele agora mesmo.

12/17/2013

Coisas que eu nunca te disse.

Eu gostava daqueles olhos castanhos grandes e brilhantes. Eu gostava daquelas pintas perto da boca e dos olhos. Eu gostava daquele sorriso meio mágico, meio safado, meio menino. Eu gostava daquele cabelo rebelde que você sempre me dizia que iria pintar e eu reprovava. Eu gostava daquelas pequenas partes de você que mais ninguém no mundo conhecia, apenas eu. Eu gostava do mau humor matutino que logo transformava-se em sorriso quando eu afogava minha boca na sua. Eu gostava daquela cara de sono, daquelas olheiras profundas e do sorriso matinal que me dava e me dizia “bom dia, amor!” e virava pra dormir mais um pouco. Eu gostava quando você choramingava pra eu te deixar dormir mais um pouco. Eu gostava do fato de eu ser baixinha o suficiente pra minha cabeça ficar na altura do seu ombro, tão perto do coração e tão perto do abraço – e eu podia ter os dois ao mesmo tempo: teu abraço e teu coração batendo mais forte. Eu nunca te disse essas coisas por que sempre soaram-me tão bobas e inúteis, coisas que eu achei que você sabia e eu não precisava mais te falar. Mas você nunca soube dessas e das outras coisas que eu gostava em você. Eu gostava do modo como se preocupava comigo e me deixava chorar no seu colo, mesmo que você nunca soubesse direito o que fazer ou o que me falar. Eu gostava do modo como você se refugiava da vida, buscando felicidade em pequenas coisas pra desfazer-se do mundo real tenso que vivia. Eu gostava do modo como falava de nós e de como nos via no futuro, mesmo que ainda não estivesse pronto para o tal futuro. Eu gostava tanto de quando falava sobre como seria o filho que nunca tivemos. Eu gostava de quando saia do banho enrolado na toalha e sorria pra mim pelo reflexo do espelho. E aquele era o meu sorriso favorito no mundo inteiro. E eu gostava tanto, tanto, do fato de que ao sair de casa a primeira coisa que você fazia era me dar a mão e me deixar andar pela calçada para que eu ficasse um tantinho mais alta. Eu gostava daqueles beijos de ponta cabeça, dos selinhos, dos beijos no nariz, na testa, na mão, no cantinho da boca, no pescoço, no lóbulo da orelha. Eu gostava do seu modo de me abraçar – e eu sei, eu talvez, em algum momento desse texto, já tenha dito isso mas é que eu realmente gostava muito disso. Eu gostava, também, das nossas brigas. Do modo que eu ficava tão furiosa e berrava e você sempre me perguntava em tom calmo porque eu estava gritando. E eu gostava do modo que um dos dois perdia a graça, o jeito e o orgulho e partia pro colo um do outro. Eu gostava dos dias chuvosos preguiçosos que duravam uma eternidade. Eu gostava dos dias nos fast-foods afora porque tínhamos preguiça de cozinhar alguma coisa. E eu gostava dos filmes na TV nos fins de semana, mesmo que estivesse acontecendo a maior festa do ano. Eu gostava  da maneira como não gostávamos mais de sair de casa como antes ou de nos socializar com pessoas além daquelas que já conhecíamos. Eu gostava do fato da sua mão sempre procurar a minha enquanto a outra continuava no volante. Eu gostava do modo como você fechava os olhos e sentia meu carinho pelo seu rosto e sorria tão suavemente que às vezes achava que iria adormecer. E eu gostava tanto, tanto, de você. Eu gostava da maneira que éramos um com o outro. Eu o amava. Do fundo do meu coração. Mas eu amanheci num dia comum e você amanheceu num dia decisivo. E se foi. E partiu meu coração. E levou parte de mim consigo no momento em que me disse que não haveria mais um amanhã juntos. E agora amanheço todos os dias tentando me lembrar se existia alguma coisa em mim que eu gostava que você também não tenha levado de mim.