Tenho ido ao psicólogo. Consulto-lhe duas vezes na semana e
ainda sim pareço desesperado. Perguntei-o outro dia se eu precisava de remédios
para insônia e meu psicólogo riu, torceu a boca duas vezes antes de me
responder e soltou, suavemente, a pior frase que eu havia escutado: tu estás
enlouquecendo, meu caro. Quase caí da cadeira naquele momento. De fato, eu
andara triste por ruas e vielas na qual me perdia quase que todas as noites, eu
havia bebido mais que o esperado para todo o mês e até ultrapassei a cota de cigarros
estimada para a semana, mas eu não me sentia louco. Eu não queria estar louco.
Eu não podia enlouquecer, não agora. Eu andara triste, muito triste, como já
havia lhes dito, mas era um triste tão doce... do tipo que qualquer literatura
barata me animava ou qualquer comédia romântica me fazia chorar almejando um
amor novinho em folha e duradouro. Mas não era isso que eu queria. Eu só queria
ficar ali, paradinho, eu e minha tristeza na minha enorme sala de estar tomando
meu chá às cinco da tarde numa quinta-feira cinzenta de agosto. Eu não queria
estar louco. Por que eu teria de estar louco justo agora? Agora que eu comprei
um carro novo, roupas novas e até mobiliei o quarto de hospedes, agora que eu
tomei café com a moça da lanchonete da outra rua que me deu seu telefone. Por
que, meu Deus, justo agora eu tinha de enlouquecer? Que bosta de psicólogo ri
da tua cara e lhe diz que ficara louco, assim, na lata? Eu não esperava aquilo,
na verdade eu não esperava voltar ao psicólogo. Eu não esperava uma porção de coisas
e todas as coisas esperavam por mim. O fato de saber que estou enlouquecendo
acelera o processo da loucura, me deixando louquinho por pensar que há alguns
meses ou anos estarei, de fato, um louco varrido. E terei de tomar inúmeros
remédios. Sei que tomo muitos remédios agora: pra depressão, pra insônia, pra
diabetes e tantos outros, mas remédio pra louco é outra história. Minha vontade
imediata era mandar aquele psicólogo ir se foder. Sim, eu quase falei mas meus
lábios cerraram-se e o meu bom-senso (pré-loucos possuem bom senso?) não me
permitiram. Ele então levantou da sua cadeira inclinável, rodopiou a sala em um
sapateado engraçado e me disse, mais uma vez: tu vai enlouquecer. Tu vai ser
igualzinho a mim. Estou louco, não vê? Quem, por diabos, lhe diria que está
louco se não você mesmo? A gente sabe quando essas coisas acontecem, meu caro,
e não sou eu ou nenhum outro analista que poderá lhe dizer. E então sorriu
outra vez, um sorriso meio louco. Eu sorri. Gargalhamos juntos numa sala vazia
de almas corretas. Naquele instante eu percebi: loucura mesmo é apontar o outro
de algo que não lhe é capaz de entender. Por tanto somos todos loucos para
todos os outros, menos para nós mesmos.
8/22/2012
8/01/2012
Mil vezes eu.
Na boca três gostos indiscutíveis ficaram: o de café
requento, o de cigarro barato e a lágrima matinal. Eu havia me esquecido o
quanto era doloroso, para mim, sobreviver de migalhas, de restos mortais de um
sentimento que há algum tempo já não finda. É sempre o vazio que nos atormenta,
é sempre aquele espaço em branco que nos deixa assim, parados, pensando em como
chegamos a beira de um novo abismo. Chega a ser gozado como a vida nos prega
peças tão dilacerantes, a gente pensa que não vai agüentar chegar a beira de
outro abismo e continuamos chegando a beira de todos os nossos próprios
abismos. A diferença de antes e agora é que nesses abismos eu não caio mais,
apenas fico ali, parada, olhando para o fundo do meu próprio eu pensando em
como é reconfortante estar no lugar mais alto de si mesmo e não ter aquela
vertigem ou aquela imensa vontade de criar asas e jogar-se ali. Outrora teria
me dado asas e voado. Ou apenas caído. É tudo o que venho feito ao logo desses
anos: me atirado nos meus problemas sem saber como sair deles. Mas problemas
vem e vão, a todo o tempo. Alguns são mais surrados, outros são pequenos
detalhes que podemos consertar. Tenho visto que os problemas nos quais eu me aprofundava
não eram, de fato, problemas gigantescos, a gente sabe quando é um problema
grande mas na hora só pensamos nas nossas dores e ninguém pode sentir isso por
nós pois cada dor é única, não importa quantos psicólogo formos, ou quantos
abraços aconchegantes temos: nossa dor é só nossa, intransferível. Descobri que
o problema dos meus problemas sou eu, sem desculpas e sem culpas, cansei de
acusar pessoas das minhas próprias dores. Sou eu, apenas, tentando dar o melhor de mim para mim
mesma e fracassando. Sou eu, apenas, tentando achar as soluções dos meus
problemas gigantescos e não percebendo que o maior erro meu foi deixar meu
coração na mão de quem não consegue administrar nem sua própria vida.
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