12/28/2011

Alívio imediato.

Há sempre uma tempestade dentro de nós. Geralmente ela espera até a próxima enxurrada para expandir-se e ir com a correnteza, mas não é regra e toda regra tem sua exceção: às vezes, a tempestade dentro de nós não espera até a próxima enxurrada, às vezes a tempestade dentro de nós caí em cima de nós mesmos, deixando-nos completamente ensopados e com uma grande possibilidade de ficar doente. Há sempre uma tempestade dentro de nós que não espera, também. Pra ela não tem dia certo, não tem palavra certa, se ela quiser cair, cairá e não há nenhum ser humano que possa a impedir de cair. Costumo chamar essas tempestades de lágrimas. Algumas são de felicidades, mas a maioria é de tristeza. Eu costumava achar que quem chorava, seja lá por qual motivo fosse, era uma pessoa que não sabia se segurar, depois que eu passei a viver a vida - e eu ainda não vivi nem o começo dela - entendi que chorar nada mais é do que dizer, sem palavras, que você se importa, seja lá com quem ou com o que for. E se a gente se importa, porque não chorar? Porque engolir o choro? Porque cerrar os lábios para não entrar em soluços profundos? Isso é besteira que o ser humano inventou. Chorar não te deixa menos forte, chorar não é coisa de menina, quem sente e quem se importa também chora. Chorar é bom, alivia a alma. Nem sempre resolve nenhum problema, mas te deixa menos inconsolável. Chorar é pra quem tem alma e coração grande, chorar é coisa de gente grande, chorar é pra quem se importa. E me desculpe os "sem-coração", mas eu me importo.

Me doando e me doendo.

Meu problema? Sonho alto em um mundo de pessoas pequenas e quase sempre levo um tombo de ralar o coração sem ninguém grande o suficiente para conseguir me levar de novo. Aí eu tiro forças, sabe-se lá Deus de onde, e me ergo outra vez. Não é fácil, mas é sempre preciso. Doer, dói. Tudo nessa vida se não deixa boas marcas deixa lembranças terríveis, e tudo nessa vida dói. Dói bater o braço na quina da mesa, dói bater o dedinho do pé no sofá, dói escorregar e cair de costas, mas dói muito mais quando seu coração é partido em milhares de pedaços pequenos e não tem ninguém forte o suficiente pra te ajudar a catar todos os pedacinhos. E é nessas horas, nas horas da dor, que a gente entende que precisa ser forte mesmo sentindo dor, mesmo sangrando, mesmo morrendo. É nessas horas que a gente precisa levantar, limpar o que sujou e continuar em frente, doendo ou não.

E se o amor bater a sua porta, traque-a e mande-o embora.

E que Deus não me castigue pelas minhas palavras, mas amar hoje em dia é suicídio. Começo dizendo isso porque levaram-se anos até que o amor, o grande causador das minhas noites mal dormidas, batesse em minha porta com aquela cara de desconfiado. Demorou muito tempo para eu acostumar com o amor e ele comigo, às vezes a gente se desentendia e eu o culpava profundamente e ele chorava. O amor é assim: quando ele se apresenta pra você chega todo calmo, todo desconfiado, com poucas palavras e poucas ações mas com o passar do tempo você o descobre, você o despida e ele, indefeso, chora feito criança. Eu não sou muito diferente, não. Tem dias em que choro porque o meu cachorro veio deitar em meu colo sem eu chama-lo, tem dias em que choro porque existo, vai entender. Tenho um relacionamento complicado com o amor: ele insiste em dizer que preciso dele - e eu sei que preciso - e eu insisto em dizer que consigo ser feliz sozinha, mesmo sabendo que é mentira. É uma guerra de corações partidos amar. Independente de quão bom e saudável seu relacionamento com alguém tenha sido, tem sempre um que ama mais, tem sempre um que se importa mais, tem sempre um que saí mais fodido que o outro. Não seria mais fácil se tudo fosse na mesma medida? Amar igual, se importar igual, dividir igual? Mas tem sempre um que gosta de se arriscar mais. E eu já conheço o fim trágico de todos os arriscadores: morrem! Morrem de amor. Sangram por dentro. E não há nada e nem ninguém que possa cura-lo, exceto o tempo.

12/26/2011

Caminho para raros.

Mas o que será que é o amor além de um sentimento que vive fodendo com a gente? Vai entender essas pessoas que gostam de se apaixonar, devem ter passado por alguma cirurgia da qual retiraram seus cérebros e deixou o coração em seu lugar, só assim mesmo pra ter tanta gente gostando de se apaixonar hoje em dia. O amor nunca foi fácil, nem de se dar, nem de se ganhar e nem de se lidar, mas tem inúmeros lados bons, também. Dizem que quem ama uma vez já pode morrer feliz. E aquelas pessoas que amaram muitos? Isso existe? Você realmente acredita nisso? Eu não entendo como tanta gente namora em um dia, diz te amo no outro e logo em seguida já não são mais um casal. Eu não entendo essa gente que acha que o amor é mais uma brincadeira. Essas pessoas deveriam ser extintas, ou melhor: o amor para elas deveria ser extinto. Imagine conviver com casais que se amam e não sentir nenhum desespero por estar só? Imagine saber que nesse exato momento há milhares de casais se casando, tendo filhos ou sendo pedidos em namoro e você está aí, sem ninguém ao lado. O amor é controverso, uma hora ele pode ser tudo que lhe resta e outra hora pode ser algo pelo qual você nem queira se deixar levar. O amor é pra poucos. Não é pra quem sabe amar, até porque ninguém sabe a maneira certa de amar outro alguém. O amor foi feito para ser entregue ao outro da forma mais bonita possível, da mais pacifica e quieta. Mas, ultimamente, estão fazendo do amor uma banalidade total. E que seja extinto esses, porque amor, meu caro, é para raros.

12/12/2011

O que se vê além da janela.

O céu, o mar, o infinito. E você, o que vê além da janela? Pode ter um automóvel da última geração estacionado bem em frente a sua garagem, aquele mesmo automóvel que você ficou fissurado assim que lançou mas não teve grana para compra-lo e agora se limita a ir a janela e ver tudo que o mundo lá fora de oferece de graça, seja por falta de tempo ou pelo tempo que lhe sobra. Pode ser que o vizinho da frente começou a construir uma casa na árvore há algumas semanas, a mesma casa na árvore que você tinha quando era menor, o único lugar do mundo depois do colo de mãe onde você podia se refugiar, lembra? Olha, lá fora tem tanta coisa nova, tanta coisa boa, tanta coisa que vai além de um simples olhar que é preciso se permitir pra enxergar através das coisas. Com o tempo você aprende a ver além disso ou daquilo, você aprende a enxergar o espírito da coisa, seja lá o que for. Mas isso requer tempo e se você anda muito ocupado pra olhar além da janela, com certeza não leu esse texto nem até a metade.

12/06/2011

O circo se foi.

Nina era uma acrobata de circo. Passava horas e horas treinando saltos, piruetas e sorrisos falsos que precisavam parecer sinceros. Paul era mais um cara que havia comprado ingresso em meio a multidão, não tinha nada demais. Não era forte, não tinha belos olhos ou um bom rendimento salarial. Nina era o tipo de mulher que todo o homem gostaria de ter, embora nunca estivesse ao alcance de nenhum deles. Como se fosse uma atriz atrás das telas onde todos podiam admira-la mas ninguém poderia toca-la. Paul estudava direito, morava com os pais e há poucos meses comprou um Mustang com a -inteira- ajuda do seu pai. Nina não tinha nada de valor além das suas jóias e vestidos de seda, nunca quisera nada, vivia onde o circo vivesse, sempre estava em ação. Em um circo, madrugada é dia! Dizem que Nova York é a cidade que nunca dorme, é porque o dono dessa frase nunca passou alguns dias dentro de um circo.

Eles nunca haviam se visto. Era a primeira vez de Nina na cidade, era o primeiro circo que Paul iria com sua irmã mais nova. Ele, até então, odiara tudo ali apresentado. Tinha medo de animais grandes e ferozes e de palhaços. Nina era a atriz principal do show. Sempre fora, em todos os outros três circos que já estivera.

Embora estivesse um tanto incomodado com o espetáculo, Paul ficou para agradar sua irmã. Então era a hora de Nina apresentar-se. Ela desceu enrolado em dois cortinas gigantes brancas das quais enrolava-se e desenrolava-se a todo instante. Paul jamais tivera visto uma cena como essa. Nina estava impecável como sempre, com o seu sorriso mais bonito - e falso - que poderia ter. Seu cabelo loiro caindo pela cintura fazia parecer que acabara de sair de um túnel de luz de tão brilhoso que era.

Paul se apaixonava por Nina naquele instante. Todos estavam de pé e aplaudindo mais um grande show que ela acabara de apresentar. Os olhos dela brilhavam, como quem acabara de chorar por horas seguidas mas o seu sorriso desmentia seus olhos, fazendo-o parecer que era brilho de alegria. Os olhos de Paul também brilhavam, mas era de uma extrema emoção.

Quando o espetáculo acabou e todos já estavam indo embora, Paul deu alguns trocados para sua irmã para que ela fosse comer e fez a prometer que estaria próxima aos cavalos em mais ou menos uma hora. Ela sorriu, como quem sorri quando a água do mar frio toca os seus pés, e foi correndo por aí e desapareceu da vista de Paul em alguns instantes.

Paul correu para atravessar o circo, onde via Nina sumir atrás de um toldo preto levando um pônei consigo. Ao chegar próximo dela, dois homens empataram sua continuação e ele parou, deixando seu tênis afundar na areia e fazer um barulho estridente que fez Nina olhar para trás. Ela não entendia o que aquele rapaz queria, talvez viesse querendo emprego ou fugir da cidade com o circo. Ela não sabia, mas queria ouvir o que ele tinha a dizer. Entrou no meio dos dois rapazes altos, que pareciam mais como duas portas grandes e fortes, o que fez eles abrirem espaço e olhar pra ela, enquanto ela assentia e eles se afastavam cada vez mais atrás dela, levando consigo o pônei que ela levava.

- Posso ajuda-lo, rapaz?
- Eu gostaria... de... saber... o seu nome. - Disse Paul enquanto tomava ar.
Nina sorriu de lado mas ficou desconfiada.
- Meu nome? Nina Rose. Algum problema? - Perguntou enquanto cruzava os braços
- Bom, sou o Paul. - Estendeu a mão para ela, enquanto ela o cumprimentava. - Eu sou um grande admirador seu. Me desculpe por chegar assim, não queria te assustar, eu apenas vi o seu show e me encantei com você. Eu queria saber quem você era.
- Verdade? Fico lisonjeada com esse comentário, e como já sabe sou Nina. Se você me dá licença, preciso cuidar do meu pônei. - Nina já havia virado as costas e deixado Paul lá, olhando pra ela com aquela cara de menino que não sabe o que quer.
- Ei! Espere mais um pouco. Eu paguei por esse show...
- Sim, você pagou! Como todos pagaram. E esse show acabou.
- Tá querendo dizer que tempo é dinheiro?
- Na vida do circo, é sim!
- Eu pago pra conversar com você, se esse for o problema. - Ele dizia enquanto se aproximava dela.
- Não estou aqui pra conversar, senhor Paul. Estou aqui para me apresentar e logo mais estarei indo para outra cidade, fazer outra apresentação e eu não preciso aguentar você, se me permite dizer. - Ela dizia, voltando a posição dos braços cruzados.
- Sei que é difícil acreditar mas eu precisava saber um pouco sobre você, Nina. Eu jamais vim ao show de circo, eu tinha medo quando era pequeno e agora detesto. Vim por causa da minha irmã caçula, que por um acaso paguei doze dólares pra sumir uma hora para que eu pudesse falar com você. - Ele sorriu.
- Doze dólares? Tão pouco. - Ela sorriu. - Mas e a sua irmã, onde está?
- Perto dos cavalos, foi onde a mandei ficar nesse tempo.
- Dos cavalos? - Nina arregalou os olhos e seus braços se desfizeram do cruzamento. - Precisamos tirar ela de lá, agora!
- O que aconteceu? - Perguntou Paul inquietante.
- Quando acaba o espetáculo, Doris, o dono do circo, solta a ala dos cavalos para que eles fiquem ao ar livre. O problema é que eles são bastante afobados. Já mataram uma criança há um ano pisoteado.
Paul e Nina ficaram alguns segundos apenas se olhando. Fora Nina quem teve reação de puxar Paul pela mão e correr até a área onde ficava os cavalos, que não era muito longe. Quando chegaram lá viram uma criança encolhida perto da palha encostada num canto e os cavalos rodeando-a, enquanto ela gritava assustada.
Nina puxara a cela dos cavalos que estavam por perto, fazendo que eles se afastassem da menina. Então, em um súbito ataque de nervosismo Oliver, a irmã de Paul, abraçou Nina com toda a força que podia enquanto ainda chorava e soluçava.
- Está tudo bem agora, não se preocupe. Você está machucada? - Nina perguntava enquanto alisava o rosto da menina.
- Não, eu apenas fiquei com muito medo quando eles correram em minha direção. Eles são maus? Porque eles queriam me comer? - Através de soluços, Oliver perguntava.
- Eles são maus, mas não vou deixar que façam nada com você, tudo bem? - Nina sorriu.
- Paul, quem é essa moça que me ajudou? - Oliver agora perguntava baixinho perto de Paul.
- Ah, essa é Nina. A moça que estava fazendo acrobacias no circo, lembra-se? - Ele olhou para Nina, que não tirava os olhos de Oliver.
- Ah. Eu lembro sim. Obrigada, Nina. Você é muito bonita, sabia? - Oliver abraçava as pernas de Paul.
- Oh, querida, obrigada! Você também é uma menina muito linda. - Nina sorriu, agradecidamente.
- Bom, já que está tudo bem com você, quem aceita um sorvete? - Disse Paul enquanto afagava o cabelo de Oliver.
- Eu! - Gritou Oliver, soltando as pernas de Paul e esticando o braço ao máximo que conseguia.
- Eu, também. - Nina sorriu, levantando o dedo indicador. - Eu aceito um sorvete.

A sorveteria mais perto era fora da área do circo, lugar onde Nina nunca ia: qualquer área que fosse fora do local de sua apresentação. Eles tomaram sorvete, conversaram, Oliver pedia inquietantemente outro sorvete que fez Nina chorar de rir por ver todo o seu rosto melado. Mais algumas conversas aleatórias, mais sorvetes, mais Oliver fazendo perguntas sem respostas.

- Então, quanto tempo vai ficar na cidade? - Perguntou Paul enquanto limpava o rosto de Oliver.
- Só hoje. O circo precisa de dinheiro, temos uma apresentação em outra cidade perto daqui. Você é o primeiro rapaz que eu conheço fora do circo em muitos anos e já vou me despedir de você. - Nina olhou para o sorvete e teu outra tascada.
- É, sempre ouvi dizer que vida de circo era corrida, mas não achei que fosse tanto assim.

Nina sorriu e abaixou a cabeça, tomando um pouco mais do sorvete. Paul fizera o mesmo. Oliver sentou em um banco próximo a eles, onde havia dois gatinhos pequenos dos quais ela passava as mãos lambuzadas de sorvete neles. Nina achou a cena fofa, e sorriu de lado. Paul agradeceu mentalmente por Oliver estar bem.

- A propósito, obrigado por salvar a Oliver. Ela é tudo que eu tenho. Não sei o que faria se não fosse você. Obrigado, de verdade. - Paul afagava o ombro de Nina enquanto ela olhava pra ele.
- Ah, que besteira. Qualquer pessoa no meu lugar faria o mesmo. Agradeça a Deus, foi ele quem salvou ela e não eu. - Ela sorriu.

As horas estendiam-se naquela sorveteria, a conversa fluía enquanto Oliver ainda encantada com os gatos brincava com eles sem parar.

- Bom, Paul, eu preciso partir. O circo vai sair daqui há pouco, preciso checar tudo antes de ir. - Nina disse, levantando-se do banco onde sentara há poucos minutos.
- Deve ser horrível, né? - Perguntou Paul com uma olhar entristecido.
- O que?
- Partir. Sempre.
- A gente se acostuma.
- Quando vou te ver outra vez, Nina? - Ele levantou os olhos para ela.
- Talvez, nunca mais. Mas nunca se sabe. O circo tá sempre em movimento, quem sabe um dia a gente não se esbarre por aí outra vez? - Ela sorriu, ele sorriu de lado com o mesmo olhar de antes.
Nina aproximou-se de Oliver e deu-lhe um abraço que foi recebido com muito aconchego mas logo solto por conta da inquietante animação de Oliver com os bichos. Nina ficara encantada e voltou a sorrir. Se aproximou de Paul com delicadeza e deu um beijo em sua bochecha.
- Cuide-se, rapaz! E aproveite o tempo para assistir mais espetáculos. - Ela sorriu.
- Não prometo, mas vou tentar. - Ele sorriu, enquanto beijava Nina na testa e afagava sua mão.

As mãos soltaram, os corpos se distanciaram, o último aceno de longe e logo depois não havia mais rastro de Nina. Como se ela nunca tivesse estado ali. Oliver continuava brincando com os gatos, esquecida do que havia acontecido há poucas horas com os cavalos. Paul deixava seu olhar entristecido percorrer o caminho que Nina tinha feito há poucos segundos. Não havia mais nada lá. Nem o sorriso dela, nem os olhos, nem a maneira certa de colocar cada palavra em cada lugar perfeito da frase. Ela foi embora, junto com todo o encanto que Paul havia sentido há poucas horas quando a conheceu dentro do circo.

Nina havia ido embora. O circo também. Afinal de contas, nenhum circo espera por ninguém. Ele está sempre em movimento. Não há tempo dentro do circo para o amor, só para os negócios e o dinheiro. O amor, ali, não existia. Se quisesse amor, buscasse em filmes ou livros, não em um circo. O circo estava ali para alimentar o encanto dos bobos. O bobo do Paul. Que acabara de ganhar e perder a mulher da sua vida em menos de um dia.

12/02/2011

O amor que eu me dei, o amor que me salvou.

Às vezes me sentia mais uma na multidão e com o tempo foi piorando. Todos os dias eu me sentia invisível, me sentia perdida sem ter com quem contar na jornada e isso me doía muito. Logo eu que fui acostumada a ter pelo menos alguém me mandando vibrações positivas mentalmente ao fim do dia. Era torturante o modo como eu levava a vida, era uma dor profunda que ninguém entendia, ninguém conhecia. Por vezes vi pessoas se afastarem de mim sem ao menos tentar me entender ou conhecer, achavam que eu tinha problemas e precisava de tratamento, mas tudo que eu precisava era de afeto, mesmo que por alguns instantes. Então estávamos eu e minha solidão, sentadas no sofá da sala de estar tomando café morno no verão. A casa sempre andava vazia - de pessoas e de sentimentos - mas havia ficado muito pior com essa depressão profunda que eu entrara. Às vezes eu acordava as duas da tarde, me servia de um café e acendia um cigarro e depois chorava duas horas seguidas. Eu não sabia o que era aquilo, achava que era apenas algo passageiro e que logo logo eu estaria totalmente curada - como se o que eu sentisse fosse uma doença - e eu não precisaria mais chorar ou sofrer pelos cantos escuros da casa na esperança de um telefonema, uma visita ou uma carta. A verdade é que eu estava sozinha, como sempre fui, só que dessa vez era algo mais pesado, mais frio e cruel. Meu corpo parecia arder em chamas, minha mente não criava mais um lugar seguro e acolhedor e eu precisava da minha paz de volta. Psicólogos, psiquiatras, médicos, remédios. Nada adiantava, nenhum ser humano e nenhum remédio entorpecente era capaz de tirar aquele vazio de mim. E era uma dor profunda que me matava um pouco mais a cada novo amanhecer. Já não acordava para viver, acordava para sobrevier. Com o tempo as pessoas voltaram a aparecer em minha vida, eu voltava a ser convidada a lugares, mas era eu quem não queria mais aquilo de novo. Depois que pude superar na força bruta o que tivera me acontecido, acreditava que se eu voltasse a ser o que era antes daquilo um dia voltaria entrar no abismo que me meti sem saber como voltar. Fui ser sozinha, dessa vez não me doía mais. Eu já estava morta por dentro e não havia mais sangue escorrendo de nenhum lugar do meu corpo. Percebi que tudo que eu precisava era de mim mesma, era espantar os fantasmas que adentraram meu ser e enfrentaram minha alma, fazendo-a dar um passeio longo longe do meu corpo. E eu os espantei. Nunca saberei como. Acho que foi a partir do momento em que comecei a me amar.

Luz dos olhos meus.

Ela era a minha menina. A menina que eu conheci sendo dócil, meiga, gentil. A menina que gostava de puxar assunto. A menina que respondia tudo com uma pergunta, como uma criança que quer saber porque o céu é azul ou porque o leite é branco. Muitas vezes não sabia responder suas perguntas, e diferente de outras pessoas ela nunca ficava triste ao meu lado, às vezes era ela quem me dava alegria. Ela trazia consigo um punhado de rancor que eu jamais descobriria se não fosse a própria que me dissesse. Trazia consigo, também, uma tempestade forte cheia de nuvens pretas e relâmpagos. Apesar do sorriso diário, da força e atenção que me dava ou me mandava mentalmente, era um poço de tristeza. Sempre tinha problemas mas nunca gostara de falar disso, gostava quando eu levava sorvete e eu ficava vendo lambuzar-se inteira. Era uma menininha, espontânea e alegre. Era a minha menininha. Com o tempo, com a convivência, se tornou a menina dos meus olhos. Era pra ela que eu mandava forças enquanto dormia, era por ela que eu rezava madrugada a dentro. Com o passar dos meses não se via mais tristeza em seus olhos, não que estivesse curada e totalmente protegida das suas próprias dores, ela apenas aprendeu a compartilhar seus medos comigo. Não trazia consigo mais a tempestade, às vezes só trazia chuva de verão que, com paciência, sessava logo. O rancor que era visto em seus passos, em seus olhos verdes d’água, com o tempo também se foi. Tudo nela era pura alegria, era sorriso certo, coração bastante aberto. Tinha ciúmes de mim, eu tinha ciúmes dela. Eramos possessivas uma com a outra e nunca negamos. Era a minha pequena, a menina dos meus olhos, a minha protegida e a minha protetora. Era minha mãe e meu pai nas horas livres, era minha melhor amiga em todas as horas. Era minha, e só. E como nada era perfeito - vida puta injusta - o tempo a levou de mim. Restou saudade e coração partido desse lado, do lado de lá já não se sabe. Dizem-me que voltou a ser a tempestade ambulante que era, dizem-me que virou um poço de frieza. Não respondia mais perguntas com outras perguntas de criança, na verdade já não falava com mais ninguém. E eu me sinto totalmente culpada por deixa-la partir sem um adeus. Eu jamais pensei que perderia minha menina, jamais pensei que perderia o compasso dessa dança. Mas perdi. E mesmo assim, mesmo com toda essa saudade que me dá dela quando olho para o verde das árvores, tenho-a como a minha menina. E tenho a melhor imagem dela que minha mente pôde guardar. E apesar dos apesares, sei que minha menina cresceu e foi viver. Sei que se perdeu de mim no meio do caminho, mas eu ainda tenho como a menina dos meus olhos.