12/06/2011

O circo se foi.

Nina era uma acrobata de circo. Passava horas e horas treinando saltos, piruetas e sorrisos falsos que precisavam parecer sinceros. Paul era mais um cara que havia comprado ingresso em meio a multidão, não tinha nada demais. Não era forte, não tinha belos olhos ou um bom rendimento salarial. Nina era o tipo de mulher que todo o homem gostaria de ter, embora nunca estivesse ao alcance de nenhum deles. Como se fosse uma atriz atrás das telas onde todos podiam admira-la mas ninguém poderia toca-la. Paul estudava direito, morava com os pais e há poucos meses comprou um Mustang com a -inteira- ajuda do seu pai. Nina não tinha nada de valor além das suas jóias e vestidos de seda, nunca quisera nada, vivia onde o circo vivesse, sempre estava em ação. Em um circo, madrugada é dia! Dizem que Nova York é a cidade que nunca dorme, é porque o dono dessa frase nunca passou alguns dias dentro de um circo.

Eles nunca haviam se visto. Era a primeira vez de Nina na cidade, era o primeiro circo que Paul iria com sua irmã mais nova. Ele, até então, odiara tudo ali apresentado. Tinha medo de animais grandes e ferozes e de palhaços. Nina era a atriz principal do show. Sempre fora, em todos os outros três circos que já estivera.

Embora estivesse um tanto incomodado com o espetáculo, Paul ficou para agradar sua irmã. Então era a hora de Nina apresentar-se. Ela desceu enrolado em dois cortinas gigantes brancas das quais enrolava-se e desenrolava-se a todo instante. Paul jamais tivera visto uma cena como essa. Nina estava impecável como sempre, com o seu sorriso mais bonito - e falso - que poderia ter. Seu cabelo loiro caindo pela cintura fazia parecer que acabara de sair de um túnel de luz de tão brilhoso que era.

Paul se apaixonava por Nina naquele instante. Todos estavam de pé e aplaudindo mais um grande show que ela acabara de apresentar. Os olhos dela brilhavam, como quem acabara de chorar por horas seguidas mas o seu sorriso desmentia seus olhos, fazendo-o parecer que era brilho de alegria. Os olhos de Paul também brilhavam, mas era de uma extrema emoção.

Quando o espetáculo acabou e todos já estavam indo embora, Paul deu alguns trocados para sua irmã para que ela fosse comer e fez a prometer que estaria próxima aos cavalos em mais ou menos uma hora. Ela sorriu, como quem sorri quando a água do mar frio toca os seus pés, e foi correndo por aí e desapareceu da vista de Paul em alguns instantes.

Paul correu para atravessar o circo, onde via Nina sumir atrás de um toldo preto levando um pônei consigo. Ao chegar próximo dela, dois homens empataram sua continuação e ele parou, deixando seu tênis afundar na areia e fazer um barulho estridente que fez Nina olhar para trás. Ela não entendia o que aquele rapaz queria, talvez viesse querendo emprego ou fugir da cidade com o circo. Ela não sabia, mas queria ouvir o que ele tinha a dizer. Entrou no meio dos dois rapazes altos, que pareciam mais como duas portas grandes e fortes, o que fez eles abrirem espaço e olhar pra ela, enquanto ela assentia e eles se afastavam cada vez mais atrás dela, levando consigo o pônei que ela levava.

- Posso ajuda-lo, rapaz?
- Eu gostaria... de... saber... o seu nome. - Disse Paul enquanto tomava ar.
Nina sorriu de lado mas ficou desconfiada.
- Meu nome? Nina Rose. Algum problema? - Perguntou enquanto cruzava os braços
- Bom, sou o Paul. - Estendeu a mão para ela, enquanto ela o cumprimentava. - Eu sou um grande admirador seu. Me desculpe por chegar assim, não queria te assustar, eu apenas vi o seu show e me encantei com você. Eu queria saber quem você era.
- Verdade? Fico lisonjeada com esse comentário, e como já sabe sou Nina. Se você me dá licença, preciso cuidar do meu pônei. - Nina já havia virado as costas e deixado Paul lá, olhando pra ela com aquela cara de menino que não sabe o que quer.
- Ei! Espere mais um pouco. Eu paguei por esse show...
- Sim, você pagou! Como todos pagaram. E esse show acabou.
- Tá querendo dizer que tempo é dinheiro?
- Na vida do circo, é sim!
- Eu pago pra conversar com você, se esse for o problema. - Ele dizia enquanto se aproximava dela.
- Não estou aqui pra conversar, senhor Paul. Estou aqui para me apresentar e logo mais estarei indo para outra cidade, fazer outra apresentação e eu não preciso aguentar você, se me permite dizer. - Ela dizia, voltando a posição dos braços cruzados.
- Sei que é difícil acreditar mas eu precisava saber um pouco sobre você, Nina. Eu jamais vim ao show de circo, eu tinha medo quando era pequeno e agora detesto. Vim por causa da minha irmã caçula, que por um acaso paguei doze dólares pra sumir uma hora para que eu pudesse falar com você. - Ele sorriu.
- Doze dólares? Tão pouco. - Ela sorriu. - Mas e a sua irmã, onde está?
- Perto dos cavalos, foi onde a mandei ficar nesse tempo.
- Dos cavalos? - Nina arregalou os olhos e seus braços se desfizeram do cruzamento. - Precisamos tirar ela de lá, agora!
- O que aconteceu? - Perguntou Paul inquietante.
- Quando acaba o espetáculo, Doris, o dono do circo, solta a ala dos cavalos para que eles fiquem ao ar livre. O problema é que eles são bastante afobados. Já mataram uma criança há um ano pisoteado.
Paul e Nina ficaram alguns segundos apenas se olhando. Fora Nina quem teve reação de puxar Paul pela mão e correr até a área onde ficava os cavalos, que não era muito longe. Quando chegaram lá viram uma criança encolhida perto da palha encostada num canto e os cavalos rodeando-a, enquanto ela gritava assustada.
Nina puxara a cela dos cavalos que estavam por perto, fazendo que eles se afastassem da menina. Então, em um súbito ataque de nervosismo Oliver, a irmã de Paul, abraçou Nina com toda a força que podia enquanto ainda chorava e soluçava.
- Está tudo bem agora, não se preocupe. Você está machucada? - Nina perguntava enquanto alisava o rosto da menina.
- Não, eu apenas fiquei com muito medo quando eles correram em minha direção. Eles são maus? Porque eles queriam me comer? - Através de soluços, Oliver perguntava.
- Eles são maus, mas não vou deixar que façam nada com você, tudo bem? - Nina sorriu.
- Paul, quem é essa moça que me ajudou? - Oliver agora perguntava baixinho perto de Paul.
- Ah, essa é Nina. A moça que estava fazendo acrobacias no circo, lembra-se? - Ele olhou para Nina, que não tirava os olhos de Oliver.
- Ah. Eu lembro sim. Obrigada, Nina. Você é muito bonita, sabia? - Oliver abraçava as pernas de Paul.
- Oh, querida, obrigada! Você também é uma menina muito linda. - Nina sorriu, agradecidamente.
- Bom, já que está tudo bem com você, quem aceita um sorvete? - Disse Paul enquanto afagava o cabelo de Oliver.
- Eu! - Gritou Oliver, soltando as pernas de Paul e esticando o braço ao máximo que conseguia.
- Eu, também. - Nina sorriu, levantando o dedo indicador. - Eu aceito um sorvete.

A sorveteria mais perto era fora da área do circo, lugar onde Nina nunca ia: qualquer área que fosse fora do local de sua apresentação. Eles tomaram sorvete, conversaram, Oliver pedia inquietantemente outro sorvete que fez Nina chorar de rir por ver todo o seu rosto melado. Mais algumas conversas aleatórias, mais sorvetes, mais Oliver fazendo perguntas sem respostas.

- Então, quanto tempo vai ficar na cidade? - Perguntou Paul enquanto limpava o rosto de Oliver.
- Só hoje. O circo precisa de dinheiro, temos uma apresentação em outra cidade perto daqui. Você é o primeiro rapaz que eu conheço fora do circo em muitos anos e já vou me despedir de você. - Nina olhou para o sorvete e teu outra tascada.
- É, sempre ouvi dizer que vida de circo era corrida, mas não achei que fosse tanto assim.

Nina sorriu e abaixou a cabeça, tomando um pouco mais do sorvete. Paul fizera o mesmo. Oliver sentou em um banco próximo a eles, onde havia dois gatinhos pequenos dos quais ela passava as mãos lambuzadas de sorvete neles. Nina achou a cena fofa, e sorriu de lado. Paul agradeceu mentalmente por Oliver estar bem.

- A propósito, obrigado por salvar a Oliver. Ela é tudo que eu tenho. Não sei o que faria se não fosse você. Obrigado, de verdade. - Paul afagava o ombro de Nina enquanto ela olhava pra ele.
- Ah, que besteira. Qualquer pessoa no meu lugar faria o mesmo. Agradeça a Deus, foi ele quem salvou ela e não eu. - Ela sorriu.

As horas estendiam-se naquela sorveteria, a conversa fluía enquanto Oliver ainda encantada com os gatos brincava com eles sem parar.

- Bom, Paul, eu preciso partir. O circo vai sair daqui há pouco, preciso checar tudo antes de ir. - Nina disse, levantando-se do banco onde sentara há poucos minutos.
- Deve ser horrível, né? - Perguntou Paul com uma olhar entristecido.
- O que?
- Partir. Sempre.
- A gente se acostuma.
- Quando vou te ver outra vez, Nina? - Ele levantou os olhos para ela.
- Talvez, nunca mais. Mas nunca se sabe. O circo tá sempre em movimento, quem sabe um dia a gente não se esbarre por aí outra vez? - Ela sorriu, ele sorriu de lado com o mesmo olhar de antes.
Nina aproximou-se de Oliver e deu-lhe um abraço que foi recebido com muito aconchego mas logo solto por conta da inquietante animação de Oliver com os bichos. Nina ficara encantada e voltou a sorrir. Se aproximou de Paul com delicadeza e deu um beijo em sua bochecha.
- Cuide-se, rapaz! E aproveite o tempo para assistir mais espetáculos. - Ela sorriu.
- Não prometo, mas vou tentar. - Ele sorriu, enquanto beijava Nina na testa e afagava sua mão.

As mãos soltaram, os corpos se distanciaram, o último aceno de longe e logo depois não havia mais rastro de Nina. Como se ela nunca tivesse estado ali. Oliver continuava brincando com os gatos, esquecida do que havia acontecido há poucas horas com os cavalos. Paul deixava seu olhar entristecido percorrer o caminho que Nina tinha feito há poucos segundos. Não havia mais nada lá. Nem o sorriso dela, nem os olhos, nem a maneira certa de colocar cada palavra em cada lugar perfeito da frase. Ela foi embora, junto com todo o encanto que Paul havia sentido há poucas horas quando a conheceu dentro do circo.

Nina havia ido embora. O circo também. Afinal de contas, nenhum circo espera por ninguém. Ele está sempre em movimento. Não há tempo dentro do circo para o amor, só para os negócios e o dinheiro. O amor, ali, não existia. Se quisesse amor, buscasse em filmes ou livros, não em um circo. O circo estava ali para alimentar o encanto dos bobos. O bobo do Paul. Que acabara de ganhar e perder a mulher da sua vida em menos de um dia.

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