2/01/2015

Em tudo contém, em nada está contida.

Volto a ser criança em um súbito e agora tenho oito anos de idade de novo. Estou sentada em meu beliche, olhando para fora da janela do meu apartamento no terceiro andar e tendo como vista uma floresta bonita. Gosto do verde e do som dos animais tão próximo. Gosto de pensar que sou a única pessoa que se interessa pelas cores e sons que esta floresta produz.

Estou, também, ouvindo minha mãe tagarelar com a vizinha na sala de estar. O assunto não me interessa, mas gosto do som da risada da minha mãe. É estridente e extravagante, mas é meu som favorito no mundo inteiro.

Sinto cheiro de bolo recém-saído do forno e meu estômago apita irritante, quase me arrastando para a cozinha. Controlo-o um pouco e observo mais alguns instantes a inquieta natureza lá fora e aqui dentro. Há duas naturezas nesse mesmo espaço e ninguém se dá conta. Eis meu maior triunfo aos oito anos: perceber que há diversas coisas acontecendo ao mesmo tempo e que tudo é pura perspectiva/ponto de vista.

Vejo meu caderno de histórias em cima da escravinha. Comecei meu primeiro livro fantasioso aos sete anos, mas não o conclui. (Espero que eu não seja assim nos próximos anos – no entanto, só piorei).

Olho-me no espelho que fica atrás da escrivaninha. Tenho grandes bochechas e os olhos verdes claríssimos. Gosto das bochechas. Gosto dos cabelos soltos e cacheados. Gosto desses dentinhos pequenos. Não me importo com meu peso ou com minha aparência física. Tenho oito anos e estou preocupada se fará sol ou chuva para eu poder descer e ir brincar.

Como bolo com suco de laranja. Conto a minha mãe que gosto da risada dela. Ela sorri e seus olhos brilham, eu podia jurar que derramou uma lágrima, mas o bolo tava bom demais pra que eu prestasse atenção nisso.

Desço pouco depois. Três degraus por vez. Quero muito brincar! Quero correr, me sujar, suar. Encontro meus amiguinhos brincando em algum canto do condomínio. Nunca soube saudar ninguém e por isso sempre sento e olho pra todos até que alguém sugira uma brincadeira. Sorrio fácil, sempre fui assim. Levanto e começo a correr. Eu não consigo me lembrar de um dia melhor que um dia de sol aos oito anos de idade.

Estou correndo, suando, com os cabelos embaraçados e com as bochechas bastante avermelhadas. O sol não me incomoda e eu não preciso de nada além de um copo de água.

Os dias mais difíceis são os dias que não posso descer para brincar. Os dias de chuva. Os dias de prova. Os dias que amiguinhos chegaram tarde e ficaram de castigo. Os dias que eu cheguei tarde e fiquei de castigo. Esses eram maus dias.

Do outro lado, quase sempre há sol e sorrisos. Há gargalhadas por motivo algum e há aventuras pela floresta que posso ver pela minha janela. Fico pensando, nesses dias de aventuras, se minha mamãe poderia me ver pela janela. Brigaria comigo, eu sei, mas imitaria o som de algum animal que eu ouvi e ela sorriria. Os olhos encheriam de lágrimas, como no dia em que disse gostar da sua risada. Ela me perdoaria. Ela me perdoaria porque sabe que eu sempre fui da natureza.

Será que ela consegue ver minhas perspectiva daquela janela? O mundo lá dentro e o mundo aqui fora? É diferente pra mim, agora, quando estou aqui. Não consigo imaginar o que está acontecendo lá. Será que ela consegue imaginar o que está acontecendo aqui?


Há natureza. A natureza humana e a natureza espiritual. Sinto que sou e estou com um pé em cada uma. Sou parte do todo e ao todo sou parte. Sou isso e sou aquilo. O aqui e o lá. O agora e o depois. Sou duas partes de uma mesma história. Sou duas histórias de partes diferentes. E aos oito anos de idade isso é tudo no qual eu acredito: que eu sou infinito. 

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