Volto a ser criança em um súbito e agora tenho oito anos
de idade de novo. Estou sentada em meu beliche, olhando para fora da janela do
meu apartamento no terceiro andar e tendo como vista uma floresta bonita. Gosto
do verde e do som dos animais tão próximo. Gosto de pensar que sou a única
pessoa que se interessa pelas cores e sons que esta floresta produz.
Estou, também, ouvindo minha mãe tagarelar com a vizinha
na sala de estar. O assunto não me interessa, mas gosto do som da risada da
minha mãe. É estridente e extravagante, mas é meu som favorito no mundo
inteiro.
Sinto cheiro de bolo recém-saído do forno e meu estômago
apita irritante, quase me arrastando para a cozinha. Controlo-o um pouco e
observo mais alguns instantes a inquieta natureza lá fora e aqui dentro. Há
duas naturezas nesse mesmo espaço e ninguém se dá conta. Eis meu maior triunfo
aos oito anos: perceber que há diversas coisas acontecendo ao mesmo tempo e que
tudo é pura perspectiva/ponto de vista.
Vejo meu caderno de histórias em cima da escravinha.
Comecei meu primeiro livro fantasioso aos sete anos, mas não o conclui. (Espero
que eu não seja assim nos próximos anos – no entanto, só piorei).
Olho-me no espelho que fica atrás da escrivaninha. Tenho
grandes bochechas e os olhos verdes claríssimos. Gosto das bochechas. Gosto dos
cabelos soltos e cacheados. Gosto desses dentinhos pequenos. Não me importo com
meu peso ou com minha aparência física. Tenho oito anos e estou preocupada se
fará sol ou chuva para eu poder descer e ir brincar.
Como bolo com suco de laranja. Conto a minha mãe que
gosto da risada dela. Ela sorri e seus olhos brilham, eu podia jurar que
derramou uma lágrima, mas o bolo tava bom demais pra que eu prestasse atenção
nisso.
Desço pouco depois. Três degraus por vez. Quero muito
brincar! Quero correr, me sujar, suar. Encontro meus amiguinhos brincando em
algum canto do condomínio. Nunca soube saudar ninguém e por isso sempre sento e
olho pra todos até que alguém sugira uma brincadeira. Sorrio fácil, sempre fui
assim. Levanto e começo a correr. Eu não consigo me lembrar de um dia melhor
que um dia de sol aos oito anos de idade.
Estou correndo, suando, com os cabelos embaraçados e com
as bochechas bastante avermelhadas. O sol não me incomoda e eu não preciso de
nada além de um copo de água.
Os dias mais difíceis são os dias que não posso descer
para brincar. Os dias de chuva. Os dias de prova. Os dias que amiguinhos
chegaram tarde e ficaram de castigo. Os dias que eu cheguei tarde e fiquei de
castigo. Esses eram maus dias.
Do outro lado, quase sempre há sol e sorrisos. Há
gargalhadas por motivo algum e há aventuras pela floresta que posso ver pela
minha janela. Fico pensando, nesses dias de aventuras, se minha mamãe poderia
me ver pela janela. Brigaria comigo, eu sei, mas imitaria o som de algum animal
que eu ouvi e ela sorriria. Os olhos encheriam de lágrimas, como no dia em que
disse gostar da sua risada. Ela me perdoaria. Ela me perdoaria porque sabe que
eu sempre fui da natureza.
Será que ela consegue ver minhas perspectiva daquela
janela? O mundo lá dentro e o mundo aqui fora? É diferente pra mim, agora,
quando estou aqui. Não consigo imaginar o que está acontecendo lá. Será que ela
consegue imaginar o que está acontecendo aqui?
Há natureza. A natureza humana e a natureza espiritual.
Sinto que sou e estou com um pé em cada uma. Sou parte do todo e ao todo sou
parte. Sou isso e sou aquilo. O aqui e o lá. O agora e o depois. Sou duas
partes de uma mesma história. Sou duas histórias de partes diferentes. E aos
oito anos de idade isso é tudo no qual eu acredito: que eu sou infinito.
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