Ouve-se os pássaros assobiarem suas tristes canções pela
janela do vigésimo sétimo apartamento da Avenida Boulevard, a mesma Avenida que
cantada em uma antiga canção onde dizia ser a Avenida dos Sonhos Destruídos.
Ela abre as cortinas e sente o primeiro raio de sol
aquecer seu rosto. De olhos fechados, sente a luz adentrar teu ser. A luz do
sol irradiante ilumina o apartamento vazio, onde os pássaros já não mais assobiam.
Alguém estar a tocar uma canção de Ludovico Einaudi no
apartamento da frente, ela escuta com atenção enquanto desliza os pequenos pés
arrebentados pelo piso de madeira.
O cheiro de café de algum apartamento vizinho a desperta
do súbito que é ouvir aquele piano sendo tocado. Ela precisa encarar mais um
dia de sua dura e triste realidade.
Aquece-se com um casaco de lã quando o collant não o faz,
como hoje. Apesar do sol imerso lá fora, o dia é frio. Em suas mãos nada mais
que sua sapatilha trinta e cinco. Em seus olhos, a dor. Há dor!
Alguns passos longos e apressados e em poucos minutos encontra-se
no estúdio. Espelhos e mais espelhos. Frente a frente com seu monstro de criação.
Frente a frente com a única pessoa que pode destruí-la: ela mesma.
Plié, tendu, jeté, fondu e frappé*. Repete, repete,
repete. Cai, levanta, gira, roda, faz de novo. Repete, repete, repete. Cai,
cai, cai. Dor! Levanta, gira, roda, faz de novo. Uma sequência interminável.
Levanta-se, olha-se, reflete-se. Sente-se! Pela primeira
vez, de verdade, sente-se. Sorri bonito e aprofunda seus olhos no reflexo do
espelho. A dor existe e é constante, mas ela continua.
Ela sempre continua.
(*Nomes de passos de Ballet.)
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