2/01/2015

A bailarina.


Ouve-se os pássaros assobiarem suas tristes canções pela janela do vigésimo sétimo apartamento da Avenida Boulevard, a mesma Avenida que cantada em uma antiga canção onde dizia ser a Avenida dos Sonhos Destruídos.

Ela abre as cortinas e sente o primeiro raio de sol aquecer seu rosto. De olhos fechados, sente a luz adentrar teu ser. A luz do sol irradiante ilumina o apartamento vazio, onde os pássaros já não mais assobiam.

Alguém estar a tocar uma canção de Ludovico Einaudi no apartamento da frente, ela escuta com atenção enquanto desliza os pequenos pés arrebentados pelo piso de madeira.

O cheiro de café de algum apartamento vizinho a desperta do súbito que é ouvir aquele piano sendo tocado. Ela precisa encarar mais um dia de sua dura e triste realidade.

Aquece-se com um casaco de lã quando o collant não o faz, como hoje. Apesar do sol imerso lá fora, o dia é frio. Em suas mãos nada mais que sua sapatilha trinta e cinco. Em seus olhos, a dor. Há dor!

Alguns passos longos e apressados e em poucos minutos encontra-se no estúdio. Espelhos e mais espelhos. Frente a frente com seu monstro de criação. Frente a frente com a única pessoa que pode destruí-la: ela mesma.

Plié, tendu, jeté, fondu e frappé*. Repete, repete, repete. Cai, levanta, gira, roda, faz de novo. Repete, repete, repete. Cai, cai, cai. Dor! Levanta, gira, roda, faz de novo. Uma sequência interminável.

Levanta-se, olha-se, reflete-se. Sente-se! Pela primeira vez, de verdade, sente-se. Sorri bonito e aprofunda seus olhos no reflexo do espelho. A dor existe e é constante, mas ela continua.


Ela sempre continua.  




(*Nomes de passos de Ballet.)

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