O despertador tocava alguma canção sussurrada da Sarah Jaffe
enquanto eu relutava para abrir os olhos e levantar daquela cama quente e deliciosa,
como ficam em dias chuvosos que precisamos sair e enfrentar o mundo. As
persianas, do outro lado do quarto, abriram-se violentamente e deixando a
claridade do dia adentrar o quarto enquanto aquela luz ainda machucava meus
olhos não acostumados com aquela claridade e por um momento quase quis xingar
baixinho mas só ronronei e virei para o outro lado, pondo um travesseiro sobre
o rosto na tentativa de escurecer um pouco as coisas mas Sarah Jaffe ainda
estava ali e seu tom tornava-se mais alto e claro e ouvi uma risada explodir do
outro lado do quarto, junto as persianas. Era ele.
Com seu cabelo bagunçado,
sua barba por fazer, seus incríveis olhos azuis, cruzando os braços sob o peito
enquanto vestia apenas um moletom e sorria travesso para mim. Relutava para
levantar e quando minha mente fazia menção em levantar, meu corpo recuava e eu
caia com tudo na cama outra vez.
Ele atravessou o quarto com passos largos, seus pés estalando
pelo piso de madeira, e ajoelhou-se no chão enquanto debruçava-se na cama. E
ficou ali, com as mãos estendidas próximas ao meu rosto e o afagou devagar e
sutil.
Ele tinha essa maneira de me mostrar que me amava. Não precisávamos de
palavras para mostrar ao outro e fazê-lo entender que era amado, nós éramos um
tanto que maior que isso. Conversávamos por olhares. Olhares que se
encontravam, se esbarravam, se entreolhavam a cada instante só para mostrar ao
outro o quão apaixonados éramos um pelo outro. E naquele momento eu percebi que
não queria sair daquela cama. Eu não queria levantar e enfrentar a cidade lá
fora. Eu queria ficar aqui, com ele debruçado sob a cama enquanto afagava cada
parte do meu rosto. Era duma forma tão sutil que me faziam sorrir e fechar aos
olhos, como se eu estivesse indo adormecer outra vez e fosse sonhar com algo
bom.
E eu não queria levantar, tomar café, tomar banho e ir à
cidade. Eu não queria enfrentar o dia frio, eu não queria enfrentar o trânsito,
eu não queria enfrentar a fila na hora de ir comprar um café, eu não queria
enfrentar o escritório, eu não queria enfrentar pessoas de terno e gravata e
mulheres de salto às oito da manhã.
Eu queria ficar ali deitada sentindo todo o
amor do mundo em alguns toques e em olhares profundos e misteriosos. Eu queria
porque éramos incríveis dessa forma, nunca soubemos dizer um ao outro o quão
importante éramos porque as palavras pareciam pequenas e tolas perto do que
sentimos, a verdade é que nenhuma palavra no mundo, nenhum livro romântico, nem
uma frase feita serviria para começar a explicar ao outro o que se sente.
Então, ele me traz de volta a realidade e senta ao meu lado,
puxa meu corpo ainda fraco para perto de si e deita minha cabeça em seu colo,
enquanto ele percorre meu rosto com seus lábios macio mas sem beijar nenhuma
parte. Seu aroma era doce e seu hálito gelava cada parte do rosto por onde seus
lábios percorriam. Aquilo hábito era incrível e mágico para mim e tornou-se
algo rotineiro, o fato dele fazer isso todas as manhãs é que me fazia não
querer enfrentar o mundo lá fora e me refugir em seu peito quente e macio. Suas
mãos fortes e grandes acarenciava a área entre o pescoço e o ombro e deslizava
até a altura do meu seio e depois voltava, repetindo o ciclo dezenas vezes. E
aquilo me faz lembrar que Sarah Jaffe ainda ecoa pelo quarto, cantando a minha
canção favorita, e dizendo para nós “Agora eu me sinto diferente”. E era
exatamente assim que eu me sentia: eu me sentia diferente e sei que ele também
sentia-se assim.
Era por sentir-me diferente que eu não queria sair daquele
quarto.
Por que o diferente, para nós, era o amor. E eu me sentia amada. Ele
nunca me apressava ou me dizia que íamos nos atrasar para algum compromisso,
ele sempre esperava minha vontade de levantar aparecer enquanto me fazia cafunés
infinitos e deliciosos. Eu queria aquilo todos os dias, todas as manhãs, todas
as horas e a todo o momento e ele sabia disso e era por saber daquilo que ele
se punha a fazer. Então levanto com uma relutância fora do normal e me tranco
no banheiro e só saio de lá com a cara limpa e com aroma de frutas vermelhas.
Ele parece sentir pois assim que saio do banheiro lá está
ele, do lado de fora, esperando e me sorri com aquele sorriso mais bonito no
mundo todo e me puxa suavemente deixando a toalha deslizar sob o meu corpo até
alcançar o chão. Eu adoro a gravidade. E olha nos meus olhos como quem tivesse
tanto a dizer mas não sabe como dizer tanta coisa e só olha porque olhar não
cria duvidas e não te faz duvidar, ele me olha porque ele sabe a importância de
um olhar profundo enquanto envolve meu corpo com seus braços fortes e morenos e
me arranca suspiros só de me abraçar um pouco mais forte que o normal e me faz
arrepiar os pelos da nuca. Ele, então, me beija.
Me invade de uma forma doce e sensível, como nenhum outro
homem já fez antes. Seus lábios macios roçam os meus e eu perco o fôlego a cada
vez que ele chega tão perto assim. E pega as minhas duas mãos e vai andando ao
encontro da cama, ainda virado para mim. Senta e espera alguma divindade
acontecer mas só existe nós ali, só existe nossas almas e nossos corações
batendo tão rápido e alto que eu quase posso ouvir. Por fim, se deita e me olha.
Me olha com aquele olhar de desejo que nenhum outro cara no mundo lá fora tem,
me olha como quem precisa de mim agora mesmo. E eu não sei como parece ser o
meu olhar para ele mas eu retribuo o olhar de desejo. Por que eu preciso dele,
também, e eu preciso dele agora mesmo.
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