Todas as canções que eu fazia era sobre Sophia. Toda e
qualquer vírgula era sobre ela. Eu escrevia em guardanapos enquanto bebia uma
dose de vodca no bar e também era sobre ela. E meus poemas baratos e meus
rabiscos em qualquer lugar. Tudo, basicamente, era sobre Sophia. Sobre a falta
que Sophia fazia na minha vida.
Ao fechar os olhos, eu lembro dela com aquele cabelo tão
louro que, contra a luz, quase cegava quem olhasse por muito tempo, eu lembro
das pequenas rugas que formavam-se ao redor dos seus olhos todas as vezes em
que ela sorria e eu estava acostumado com essas pequenas rugas porque Sophia
era uma pessoa sorridente e talvez seja por isso que eu tenha me apaixonado por
ela.
Lembro-me daquela tarde vazia e solitária que a conheci.
Sophia adentrara o restaurante completamente ensopada pela chuva, com seus
cabelos longos e louros e com seu um metro e setenta. E outras pessoas bonitas
entraram atrás dela mas apenas ela me chamou atenção porque, de todas,
Sophia riu de si mesma após se olhar no
espelho em frente a entrada, todos as outras pessoas apenas se horrorizavam com
sua aparência molhada. Mas ela ria. Gargalhava.
E eu ri junto, tão alto e tão inocente que fizera todos do
recinto virarem seus olhares impiedosos contra mim. E ela me olhou, também. Mas
ela não acalentou o riso frouxo, ao contrário: ela riu mais ainda. E sorrimos
juntos, eu de cá e ela de lá. E aquele era o sorriso mais bonito do mundo
inteiro.
Quando Sophia veio em minha direção naquele dia, tudo que eu
aprendi sobre mulheres e sobre a vida se apagava da minha memória a cada passo
que ela dava e ficava mais próxima a mim. Então, parei de sorrir. Por que
naquele instante eu sabia que se ela perguntasse, eu nem saberia dizer meu nome
porque de algum modo estranho eu me esqueci de tudo enquanto ela vinha em minha
direção.
Eu lembro dessas coisas porque esse tipo de coisa não se
esquece e eu contei para ela há alguns meses atrás, antes de tudo acontecer, e
ela sorriu como quem sorri para alguém que acabara de lhe dar um presente tão
inesperado e tão surpreendente. E me beijou a boca.
Naquele dia, no dia em que conheci a
Sophia-molhada-e-risonha, eu descobri que tudo que eu sabia – ou achava que
sabia – sobre as mulheres, o universo feminino e essas bobagens todas era um
punhado de clichê e falta de conhecimento. Em três horas de conversa Sophia me
ensinou mais do que minha ultima namorada havia me ensinado e embora Elisa
fosse linda de morrer, eu nunca senti por ela o que eu senti por Sophia em
apenas algumas horas mesmo que eu tivesse passado cinco anos da minha vida
junto a Elisa.
Eu conheci Sophia há dois anos e meio, num restaurante na
esquina da minha casa e, por deboche do destino, na esquina da casa dela,
também. Eu me sentia abençoado por isso e aquilo que conquistara em minha vida
mas não tanto quanto eu me sentia abençoado por tê-la em minha vida. Sophia era
uma dessas pessoas que a gente duvida que exista de tão incrível que é.
Mas Sophia não era só incrível. Era maluca, também. Mas uma
maluca do melhor jeito possível. Do tipo que acorda de bom humor e não reclama
da rotina, da que come de tudo e não te diz nunca que tá de dieta, da que sabe
perfeitamente a hora de desabrochar de rir e só esquece de parar. E Sophia era
uma pessoa deliciosa porque me trazia uma paz infinita todas as vezes em que,
por ventura do destino, nos encontrávamos na esquina da nossa rua.
Como se não bastasse, tinha um gosto musical incrível e se
vestia como bem entendia. E todos os dias eu conhecia um pouco mais sobre a
Sophia. Dos seus gostos, dos seus costumes, dos seus sonhos e realizações mas
eu também conhecia suas tristezas e magoas – e era nessas horas que eu queria abraça-la
forte e dizer que eu a protegeria de qualquer coisa.
Mas, pro meu desespero, Sophia era uma pessoa muito
descrente do amor. Me contara dos seus romances falidos e abaláveis que fizera
perder toda a fé em algo que ultrapasse algumas semanas. E isso me doía muito.
A noite, sem Sophia, eu me engatilhava a chorar e rezar pra que nada pudesse me
tira-la. E eu tinha uma fé enorme que um dia ela perderia esse medo e angustia
de amor outro ser humano. Eu costumava alerta-la de que todos os seus amores
foram passageiros até me encontrar e que eu lhe mostraria o que é ser amada de
verdade, como jamais fizeram para ela. Ela sorria e afagava minha mão mas nunca
me dizia nada. O silêncio me consumia mas ela não dava tempo para que eu
pensasse no dia de amanhã sem ela porque sempre que falávamos a respeito do
amor Sophia dormia junto a mim e não ia embora antes que eu acordasse.
E Sophia permaneceu comigo. Éramos o que os outros pode
chamar de metade da laranja, alma gêmea ou qualquer outra coisa. E eu também
achava isso. E todos aqueles dias eram perfeitos e mágicos porque ela era uma
mulher perfeita e mágica que me fazia acreditar que eu poderia amar uma única pessoa
por toda a minha vida. E eu a amava com tanta força, com tanto desespero, com
tanta pressa e urgência e ela sempre tão calma, sempre tão intensa mas nunca
desesperada como eu. E talvez tenha sido aí que tudo deu errado: eu a amava
duma forma tão profunda que era visível para qualquer ser humano. Só ela não
viu.
Então, num dia quente e ensolarado, acordei sorrindo porque
Sophia estava ali ao meu lado, o dia estava lindo lá fora e era um novo dia
para ama-la e para fazê-la acreditar em meu amor. Obviamente meu sorriso
evaporou assim que eu levantei e não vi Sophia em nenhum lugar do apartamento,
nem pela janela, nem no restaurante da esquina, nem na esquina, nem na casa
dela que era de esquina com a minha. E nesse dia Sophia foi embora levando de
mim tudo que eu tinha por dentro. Levou meu amor consigo e deixou no lugar um
coração falido e fodido, diga-se de passagem. Sophia levou consigo minha
alegria de viver.
Todas as canções eram sobre ela, todas as poesias, as rimas
tolas e toscas. Tudo na cidade era Sophia. E todas as mulheres de cabelos
louros tinham um semblante familiar que me lembrava ela. E todas as risadas que
eu ouvia enquanto eu andava pelas ruas pareciam ser dela, embora a dela fosse
muito mais gostosa de se ouvir.
E durante muitos anos Sophia fora o centro do meu universo,
mesmo tendo partido e nunca mais retornado. E nesse tempo em que tive entre
tentar viver sem Sophia e prosseguir sem Sophia, me tornei um cara mais
desacreditado do amor, das pessoas, do mundo em si. Por que doía muito, ainda,
e eu não queria que alguém fosse capaz de me fazer todo aquele mal outra vez.
E, por deboche do destino, brincadeira sádica de algum
demônio ou coisa parecida, entrei em um bar todo molhado da chuva,
completamente encharcado e com um cabelo horrível, do outro lado havia um
espelho do qual pude me ver e rir da minha própria situação precária. Então uma
risada explodiu na ultima cadeira em frente ao bar. Era morena, tomava um
Campari com gelo e limão, e nada naquela mulher me fizera esquecer quem eu era
ou o que eu queria, por que eu sabia, agora, o que eu queria. E naquele momento
eu tive certeza de que eu precisava viver sem Sophia. E a minha vida tinha um
sorriso lindo me esperando na ultima cadeira do bar.
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