Eu o imagino sentado numa daquelas velhas cadeiras de
balanço, na varada daquela casa recém reformada, pintada de azul cor de céu.
Ele está lá, fumando seu cigarro e olhando seu jardim falido, todas aquelas
flores mortas por falta de cuidados com o passar do tempo. Aquele olhar cansado
e entristecido com o tempo, com as derrotas da vida, com sua infância perdida
alastrando o interior da sua memória .
Então ele olha para aquela pequena figura pálida que agora
corre entre suas flores mortas, quase que dando vida a elas. Ele esboça um
sorriso frágil, um pensamento cuidadoso com aquele pequeno ser. E seus olhos
enchem-se de lágrimas frias e cálidas, prontas para rolarem por seu rosto
enrugado do tempo. E ele deixa as lágrimas rolarem, apesar da cena triste que
acontece naquele momento, ele sabe.
Ele sabe que partirá em breve e que aquela pequena criatura
que, agora, corre em sua direção não estará ali para sempre. Quero dizer, ele
não estará. Suas escolhas e seus erros entorpecidos fizeram do seu futuro algo
promiscuo e premeditado. Ele sabia que a morte chegaria em breve. Em sua
cadeira de balanço, olhando suas flores mortas, com aquela pequena criatura sob
seu peito e seus cuidados, agora ele percebe seus erros e seus defeitos.
Agora ele pensa como poderia ter sido diferente, como tudo
aquilo poderia ter sido melhor. Como ele poderia ter feito as coisas serem
melhores. Ele não pensou naquela criança pálida correndo entre suas flores, não
pensou naquela moça dos cabelos compridos e cacheados, não pensou no seu velho
melhor amigo canino. Ele só fez o que ele achava certo no exato momento, o
depois era sempre depois. E o depois chegou. Chegou mais cedo que o esperado.
Hoje aquela velha cadeira de balanço está solitária. As
flores jamais floriram outra vez. A palidez daquela pequena criatura ainda
existe, aquela pequena criatura ainda existe. Com seu coração fraco de uma luta
inatingível, com as mãos atadas e os pensamentos cruéis e sombrios da sua
partida tão prematura, aquela pequena criatura pálida se tornou o que hoje você
lê. A moça dos cabelos longos e cacheados hoje bate perna em shoppings e ruas
atrás de um bom emprego para sustentar a eterna pequena criatura pálida. A casa
azul recém pintada tornou-se velha, mais velha do que posso imaginar, e foi
vendida para uma família feliz e unida.
A cadeira de balanço hoje me lembra tudo aquilo que eu não
lembro, tudo aquilo que não foi, tudo aquilo que era para ter sido e não
aconteceu. Não aconteceu a primeira foto no primeiro dia de aula, não houve
valsa nos meus quinze anos para dançar contigo, nem houve um baile de formatura
para acompanhar-me. Não houve, se quer, uma cadeira de balanço.
Tudo que eu sei e escrevo sobre você é o que minha memória
queria que tivesse visto. É na minha utopia de você que eu acredito, e nela
você ainda continua sendo meu herói.
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