Estou incompreendido, irritado, pensativo e levemente
embriagado. Já passam das dez da noite, ainda é quarta-feira e preciso levantar
às cinco e meia da manhã para o trabalho incrivelmente ridículo do qual tenho
me comprometido incansavelmente há seis anos.
Apesar de sozinho na mesa de um bar, estou rodeado de
pessoas bêbadas e felizes. Ou, quem sabe, infelizes como eu mas com uma vida
social a ser mantida e não querem demonstrar infelicidade.
Andava sóbrio há anos. Não fumava mais, também. Hoje é o
terceiro maço de cigarro que fumo. Quinto copo de cerveja. Segunda garrafa de
whisky. Antes, antes de hoje, tudo era ponderado e eu havia aceitado isso na
vida. Esse “quase”, esse “e se”. Mas não mais.
Elena me deixou. Suspiro tão fundo quando penso nisso que às
vezes acho que gastei todo o ar que meus pulmões podem estocar. Penso nela,
agora, como injustificável. Penso em mim como um completo babaca. Estou aqui,
sentado na mesa de um bar como não fazia há sete anos, desde que eu e Elena
decidimos concretizar nosso relacionamento, me sentindo uma péssima pessoa, me
sentindo o pior cara do mundo, me olhando por dentro e me sentindo um horrível marido.
Agora, um horrível ex-marido.
Era como se, naquele momento, no momento em que ela decidiu
ir embora de casa, ela fosse a única coisa que importava para si própria. Não
pensou em nada, apenas fez as malas e partiu com outro cara. Um mais jovem, um
aventureiro que não fica atrás de uma mesa trabalhando incontrolavelmente para
pagar o colégio das crianças, o seguro do carro, a hipoteca, as compras do mês
e todas as responsabilidades de gente grande. Ela nem se quer pensou em nossos
filhos. Ela não pensou em mim.
Doeu. Dói. E vai doer por muito tempo. Sei disso. Meus
grandes e velhos amigos, amigos esses que já estão afastados de mim por conta
do meu tempo infindável atrás daquela merda de mesa do escritório, por conta da
preocupação e trabalho que as crianças me davam, por causa da Elena que sempre
disse que amigos solteiros são péssimas influencias, eles me alertaram disso
antes que eu se quer imaginasse que isso pudesse acontecer um dia. Grandes
doutores que eu não dei ouvidos. Agora estou aqui, sozinho, por que Elena me
deixou, não me toleraria amanhã se eu trouxesse as crianças e todos os meus
amigos me acham um mala de palito.
É incrível como isso dói, como a gente por estar sozinho
bebendo num bar com a pior cara que existe, parecendo um trapo abandonado é
indiferente para os felizes. Acho que a infelicidade é uma doença contagiosa.
Se eu estou infeliz e alguém se aproxima automaticamente se contagiará com a
doença da infelicidade. Mas não, nem sempre. Eu só precisava de um ombro amigo
essa noite. Na verdade, qualquer ombro serviria. Eu só quero chorar, cara! Só
isso.
Penso que preciso de um psicólogo mas pagar pra ser ouvido é
algo do qual não sou a favor. Acho que amigos existem pra isso ou seus pais.
Pena que os meus não moram por perto. E não vou ligar esse horário. Está tarde,
ficarão preocupados e eu vou começar a chorar feito uma criança que perdeu seu
cachorro. Não vai ser bom pra mim.
Elena, a cada copo que eu termino de qualquer bebida, me
aparece sorrindo e feliz, dizendo que desejou muito que déssemos certo mas que
achou alguém que a faz feliz, de verdade. Não perguntou como eu me sentia,
apenas deixou claro que essa decisão já havia sido pensada antes. Pensou em
porra nenhuma. Biscate! Me largou. Largou os filhos. Como ela pôde ser tão
baixa? Como eu pude me apaixonar, me envolver e casar com uma mulher que me
trocou pelo primeiro playboy riquinho que gosta de uma coroa pra se divertir?
Desejo que ele fique impotente. Que ela engravide. Que ele não assuma. Que ele
largue ela por uma outra coroa ou por uma riquinha como ele e me devolva o que
era meu! Puta, Elena. Elena, puta. Nenhum adjetivo ou qualidade me vem a cabeça
sobre ela. Apenas puta. Quero gritar pra que todos no bar saibam que eu fui
casado com a pior espécie de ser humano que eu já estive por perto.
Eu poderia ter casado com a Ana. Aquela menina da faculdade
em que namorei. Ela era crente, ia a igreja. Da ultima vez que a vi havia se
casado há dez anos, tinha três filhos e um cachorro! Ela tem um cachorro! Eu
nunca tive um cachorro. Elena era alérgica a pêlo. Como pode, um homem da minha
personalidade, ter filhos antes de ter cachorros? Então, decido uma coisa por
mim depois que Elena partira: terei cachorro. Dois cachorros. Um pra mim e um
para as crianças.
Volto a pensar em Elena. Acho que estou na décima cerveja.
Minha visão está levemente embaçada. Olho no relógio que fica em cima do
balcão, passam das duas. A cerveja está quente, fiquei muito tempo pensando
nela e esqueci da cerveja. Maldita seja que até longe consegue me fazer mais
infeliz ainda. Cerveja quente é uma merda.
Penso em como ela está feliz agora. Em como deve está se
divertido. Em alguma praia paradisíaca com aquele riquinho. Imagino ele loiro e
bronzeado, rindo e fazendo massagem nela. Tomando vodca com a minha mulher. A
mulher que quase me fez desmaiar quando apertou meu braço na hora do parto, a
que eu vi ter crises de TPM e agüentei calado, a que eu tive que aturar reclamando
das crianças, da comida, da casa, de mim e de tudo.
Elena era assim. Nunca nada estava bom. Nada! Até nos
pequenos projetos que eu me sentia especial por tê-lo feito ela me
menosprezava. Agora, depois que ela me deixou, vi que nunca me amei depois que
passei a amá-la. Era incrível as coisas que eu fazia para agradá-la e esquecia
de me agradar, também. Deixava de ver futebol pra assistir novela com ela,
mesmo que eu não entendesse nada do que se passava. Eu fazia brigadeiro pra ela
quando tinha crises emocionais. Eu nunca a trai ou menti. Nunca fui pro bar com
meus amigos sem que ela soubesse e quando eu ia, brigávamos.
Decidi que Elena me fazia mal. Não era bem ela, exatamente.
Eu me esforçava tanto pra agradar aquela mulher que eu esquecia da minha
existência. Eu já não fazia nada por mim há anos. Era tudo pra ela e por ela. O
trabalho, as crianças, a casa, o fato de eu não ter um cachorro. Tudo sempre
foi por ela, embora eu tivesse uma parcela de culpa por sempre fazer sem pestanejar.
Decido, enfim, pedir a ultima cerveja. Vejo que agora o bar
está realmente vazio, exceto por uma moça loira sentada ao lado da minha mesa.
Nossos olhos se encontraram e ela sorri, aceno com a cabeça e um sorriso de
canto-de-boca. Minha bebedeira me permite isso. Aliás, eu posso isso. Porque
não? Eu estou solteiro! Olho pra moça loira, de novo, e ela está sozinha, me
olhando outra vez e então ri pra mim e vem na minha direção.
Um enfarte ou um ataque? Ainda não decide o que terei por
ver uma mulher tão bonita assim sorrindo e vindo em minha direção. Imagino que
ela vem perguntar as horas, mas tem um relógio imenso em cima do balcão. Não é
isso. Está perdida! Vem pedir informação. Ela chega e me dá mais um sorriso.
Minha aliança em cima da mesa a faz recuar.
- Não estou atrapalhando, estou? – Pergunta a moça loira.
- Não, sente-se! – Ofereço a cadeira solitária para ela.
- Casado? – Ela sorri, esperando uma negação.
- Divorciado. – Dou de ombros.
- Solitário, então? –
- Sim, um pouco. – Arquejo. – Na verdade, muito!
- Não mais. Não hoje! – Ela sorri.
E pela primeira vez na noite eu tive o que chamamos de fé no
amanhã. No novo, no desconhecido. E, pela primeira vez, na noite eu pensei em
um sorriso que não era o de Elena. Era o dela. Se foi no dia seguinte. Não
deixou telefone, nem endereço, muito menos o nome. Se era de programa, não
cobrou. Se gostou de mim, vai voltar. Deixou um beijo com a marca de batom vermelho
no espelho do meu banheiro com as inicias “A.M”. E eu sabia... era hora de eu
viver de novo. Sem Elena.
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