1/08/2013

O amanhã incerto.


Estou incompreendido, irritado, pensativo e levemente embriagado. Já passam das dez da noite, ainda é quarta-feira e preciso levantar às cinco e meia da manhã para o trabalho incrivelmente ridículo do qual tenho me comprometido incansavelmente há seis anos.

Apesar de sozinho na mesa de um bar, estou rodeado de pessoas bêbadas e felizes. Ou, quem sabe, infelizes como eu mas com uma vida social a ser mantida e não querem demonstrar infelicidade.
Andava sóbrio há anos. Não fumava mais, também. Hoje é o terceiro maço de cigarro que fumo. Quinto copo de cerveja. Segunda garrafa de whisky. Antes, antes de hoje, tudo era ponderado e eu havia aceitado isso na vida. Esse “quase”, esse “e se”. Mas não mais.

Elena me deixou. Suspiro tão fundo quando penso nisso que às vezes acho que gastei todo o ar que meus pulmões podem estocar. Penso nela, agora, como injustificável. Penso em mim como um completo babaca. Estou aqui, sentado na mesa de um bar como não fazia há sete anos, desde que eu e Elena decidimos concretizar nosso relacionamento, me sentindo uma péssima pessoa, me sentindo o pior cara do mundo, me olhando por dentro e me sentindo um horrível marido. Agora, um horrível ex-marido.
Era como se, naquele momento, no momento em que ela decidiu ir embora de casa, ela fosse a única coisa que importava para si própria. Não pensou em nada, apenas fez as malas e partiu com outro cara. Um mais jovem, um aventureiro que não fica atrás de uma mesa trabalhando incontrolavelmente para pagar o colégio das crianças, o seguro do carro, a hipoteca, as compras do mês e todas as responsabilidades de gente grande. Ela nem se quer pensou em nossos filhos. Ela não pensou em mim.

Doeu. Dói. E vai doer por muito tempo. Sei disso. Meus grandes e velhos amigos, amigos esses que já estão afastados de mim por conta do meu tempo infindável atrás daquela merda de mesa do escritório, por conta da preocupação e trabalho que as crianças me davam, por causa da Elena que sempre disse que amigos solteiros são péssimas influencias, eles me alertaram disso antes que eu se quer imaginasse que isso pudesse acontecer um dia. Grandes doutores que eu não dei ouvidos. Agora estou aqui, sozinho, por que Elena me deixou, não me toleraria amanhã se eu trouxesse as crianças e todos os meus amigos me acham um mala de palito.

É incrível como isso dói, como a gente por estar sozinho bebendo num bar com a pior cara que existe, parecendo um trapo abandonado é indiferente para os felizes. Acho que a infelicidade é uma doença contagiosa. Se eu estou infeliz e alguém se aproxima automaticamente se contagiará com a doença da infelicidade. Mas não, nem sempre. Eu só precisava de um ombro amigo essa noite. Na verdade, qualquer ombro serviria. Eu só quero chorar, cara! Só isso.

Penso que preciso de um psicólogo mas pagar pra ser ouvido é algo do qual não sou a favor. Acho que amigos existem pra isso ou seus pais. Pena que os meus não moram por perto. E não vou ligar esse horário. Está tarde, ficarão preocupados e eu vou começar a chorar feito uma criança que perdeu seu cachorro. Não vai ser bom pra mim.

Elena, a cada copo que eu termino de qualquer bebida, me aparece sorrindo e feliz, dizendo que desejou muito que déssemos certo mas que achou alguém que a faz feliz, de verdade. Não perguntou como eu me sentia, apenas deixou claro que essa decisão já havia sido pensada antes. Pensou em porra nenhuma. Biscate! Me largou. Largou os filhos. Como ela pôde ser tão baixa? Como eu pude me apaixonar, me envolver e casar com uma mulher que me trocou pelo primeiro playboy riquinho que gosta de uma coroa pra se divertir? Desejo que ele fique impotente. Que ela engravide. Que ele não assuma. Que ele largue ela por uma outra coroa ou por uma riquinha como ele e me devolva o que era meu! Puta, Elena. Elena, puta. Nenhum adjetivo ou qualidade me vem a cabeça sobre ela. Apenas puta. Quero gritar pra que todos no bar saibam que eu fui casado com a pior espécie de ser humano que eu já estive por perto.
Eu poderia ter casado com a Ana. Aquela menina da faculdade em que namorei. Ela era crente, ia a igreja. Da ultima vez que a vi havia se casado há dez anos, tinha três filhos e um cachorro! Ela tem um cachorro! Eu nunca tive um cachorro. Elena era alérgica a pêlo. Como pode, um homem da minha personalidade, ter filhos antes de ter cachorros? Então, decido uma coisa por mim depois que Elena partira: terei cachorro. Dois cachorros. Um pra mim e um para as crianças.

Volto a pensar em Elena. Acho que estou na décima cerveja. Minha visão está levemente embaçada. Olho no relógio que fica em cima do balcão, passam das duas. A cerveja está quente, fiquei muito tempo pensando nela e esqueci da cerveja. Maldita seja que até longe consegue me fazer mais infeliz ainda. Cerveja quente é uma merda.

Penso em como ela está feliz agora. Em como deve está se divertido. Em alguma praia paradisíaca com aquele riquinho. Imagino ele loiro e bronzeado, rindo e fazendo massagem nela. Tomando vodca com a minha mulher. A mulher que quase me fez desmaiar quando apertou meu braço na hora do parto, a que eu vi ter crises de TPM e agüentei calado, a que eu tive que aturar reclamando das crianças, da comida, da casa, de mim e de tudo.

Elena era assim. Nunca nada estava bom. Nada! Até nos pequenos projetos que eu me sentia especial por tê-lo feito ela me menosprezava. Agora, depois que ela me deixou, vi que nunca me amei depois que passei a amá-la. Era incrível as coisas que eu fazia para agradá-la e esquecia de me agradar, também. Deixava de ver futebol pra assistir novela com ela, mesmo que eu não entendesse nada do que se passava. Eu fazia brigadeiro pra ela quando tinha crises emocionais. Eu nunca a trai ou menti. Nunca fui pro bar com meus amigos sem que ela soubesse e quando eu ia, brigávamos.

Decidi que Elena me fazia mal. Não era bem ela, exatamente. Eu me esforçava tanto pra agradar aquela mulher que eu esquecia da minha existência. Eu já não fazia nada por mim há anos. Era tudo pra ela e por ela. O trabalho, as crianças, a casa, o fato de eu não ter um cachorro. Tudo sempre foi por ela, embora eu tivesse uma parcela de culpa por sempre fazer sem pestanejar.

Decido, enfim, pedir a ultima cerveja. Vejo que agora o bar está realmente vazio, exceto por uma moça loira sentada ao lado da minha mesa. Nossos olhos se encontraram e ela sorri, aceno com a cabeça e um sorriso de canto-de-boca. Minha bebedeira me permite isso. Aliás, eu posso isso. Porque não? Eu estou solteiro! Olho pra moça loira, de novo, e ela está sozinha, me olhando outra vez e então ri pra mim e vem na minha direção.

Um enfarte ou um ataque? Ainda não decide o que terei por ver uma mulher tão bonita assim sorrindo e vindo em minha direção. Imagino que ela vem perguntar as horas, mas tem um relógio imenso em cima do balcão. Não é isso. Está perdida! Vem pedir informação. Ela chega e me dá mais um sorriso. Minha aliança em cima da mesa a faz recuar.

- Não estou atrapalhando, estou? – Pergunta  a moça loira.
- Não, sente-se! – Ofereço a cadeira solitária para ela.
- Casado? – Ela sorri, esperando uma negação.
- Divorciado. – Dou de ombros.
- Solitário, então? –
- Sim, um pouco. – Arquejo. – Na verdade, muito!
- Não mais. Não hoje! – Ela sorri.

E pela primeira vez na noite eu tive o que chamamos de fé no amanhã. No novo, no desconhecido. E, pela primeira vez, na noite eu pensei em um sorriso que não era o de Elena. Era o dela. Se foi no dia seguinte. Não deixou telefone, nem endereço, muito menos o nome. Se era de programa, não cobrou. Se gostou de mim, vai voltar. Deixou um beijo com a marca de batom vermelho no espelho do meu banheiro com as inicias “A.M”. E eu sabia... era hora de eu viver de novo. Sem Elena. 

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