10/11/2010

O dia que o meu mundo parou.

Era uma sexta a tarde quando Alice me ligou e pediu pra que eu fosse ao nosso apartamento para podermos conversar. Estava animado com nosso casamento daqui há algumas semanas,estava quase tudo pronto,exceto o seu vestido. A tarde caia atrás do edifício presidencial na quinta avenida e parecia que o dia tinha acabado de começar.
Peguei o elevador as pressas e parei no décimo quarto andar onde ficava nosso apartamento,Alice escolhera o último andar por que a paisagem era melhor e ela gostava de se sentir enjoada quando olhava pra baixo e eu concordei.
Quando cheguei,ela me esperava no nosso sofá recém comprado que ainda estava plastificado. A sala ainda estava vazia mas senti que Alice,agora,também estava vazia.
Antes mesmo de me sentar ou jogar a pasta no sofá e atacar Alice com meus beijos massacrados pela saudade de algumas horas,ela me olhou de cima a baixo,um dos sinal que Alice emitia quando ia falar sobre algo grave.
- Estou te deixando. - Continuou sentada,de pernas e braços cruzados,olhando para a mesa de mármore.
Meus dedos dos pés se retraíram,minha espinha sentiu um forte impacto como se eu estivesse levado uma pancada,meu coração estava acelerando a cada segundo vazio que se passava depois daquela frase. A minha pasta caiu,minha imagem de chefe executivo e um futuro bom marido e pai estava arruinada depois dessas palavras.
- Por que? Está com medo? Podemos adiar um pouco mais,eu não me importo. - Fui sentando do lado dela a cada palavra dita.
- Não quero adiar. Quero te deixar! - Ela não me olhava,ainda.
- Por que? - Meus dentes apertavam um contra o outro enquanto todos os músculos da minha boca trabalhavam junto com meu cérebro para não mandar Alice se foder.
- Encontrei outro alguém. - Então virou-se para mim,olhando nos meus olhos e logo depois se desfazendo dos braços cruzados.
A janela aberta recebia um vento calmo,dava pra se ouvir a sua serenidade depois dos segundos de silêncio que se estendeu ali,o cabelo curto de Alice,agora,bagunçado com o vento e me fez sentir o cheiro da colônia que ela usava.
- Há quanto tempo está com ele? - Entrelacei a mão uma na outra.
- Dois meses.
- Você o ama?
- Sim.
- Você me amou?
- No começo sim mas não amo mais. - ela se levantou,desfazendo a postura de menina composta.
Alice adentrou o quarto e demorou alguns minutos,o que me deu pouco tempo pra digerir toda a história e aceitar ao mesmo tempo mas minha mente e meu coração estavam trabalhando juntos e soavam na minha cabeça:"NÃO,NÃO,NÃO!"
Ouvi um barulho se arrastar pelo chão de madeira e aumentar a cada instante. Era ela com uma mala azul marinho e uma bolsa preta de lado. Ela parou para me encarar alguns instantes e virou-se em direção a porta.
- Você vai mesmo embora?
- Vou.
- E o nosso casamento?
- Cancele.
- E o nosso apartamento?
- Venda-o!
- E nossas vidas?
- São separadas,agora.
- Eu te amo,Alice!
- Não posso ficar pelo seu amor. Adeus,Arthur!

Um silêncio chamado dor invadiu a sala do apartamento,invadiu os quartos,a cozinha,o banheiro e até o corredor. A batida daquela porta não era como se alguém tivesse ido embora,era como se eu tivesse ido embora de mim mesmo. Eu e Alice eramos uma espécie de amantes,nos completavamos,eramos perfeitos um para o outro mas Alice me deixou. Quando meu cérebro recebeu tal mensagem,automaticamente,começou a chover e fui em direção a janela sem mais nem por que,só pra ver se a chuva levava embora a dor da perda mas a unica coisa que pude ver lá do último andar foi Alice entrando em um jipe verde-cana anos oitenta.
Fechei a janela,fechei toda a casa e deitei no sofá. Não pensei em mais nada o dia inteiro apenas na seguinte frase:"ela me deixou" e essa frase estava na minha mente como a cópia de um documento importante que tiramos xerox para garantir que não irá se perder.
Eu estava perdido,essa era a verdade. Eu me apeguei tanto aquela mulher que não vivia mais sem ela,eu não respirava mais sem ela e,se longe,procurava saber da sua rotina e trajetos. Alice e eu estavamos há três anos e meio juntos e pensavamos em casar e alguns meses depois termos um filho.
O trovão lá fora me acordou da fantasia e eu voltei para a realidade,a minha nova realidade sem ela aqui e eu entendi que era de verdade,que eu estava mesmo sem Alice e então eu chorei como um menino que perdeu seu melhor brinquedo.
Eu não dormi naquela noite e não dormi noite nenhuma nas duas semanas seguintes. Eu faltei ao emprego quase uma semana e não dei uma desculpa sólida e quando apareci,já não era mais eu,era apenas alguém sem fé e sem alma,alguém morto.
As semanas se estendiam e tudo que abastecia minha geladeira era uma vodka barata,um vinho que eu tivera comprado pra Alice um dia antes do nosso fim e um ou dois ovos.
Ninguém sabia que Alice e eu rompemos e por isso ninguém tinha vindo "nos" visitar durante esse período até que perceberam a movimentação dela pela cidade em um jipe verde-cana com um cara alto,forte,loiro e com barba feita.
O que há de errado comigo? Ela sempre me disse que adorava meu cabelo castanho claro,que não ligava se eu fosse magro demais ou se eu tivesse uma barba por fazer,ela apenas dizia que eu era um cara especial para ela.
Que porra significa ser especial para uma mulher? Significa ser o capacho dela por alguns anos enquanto ela não consegue arrumar outro e quando isso acontece ela te dá um pé na bunda levando a camisa da sua banda preferida naquela mala imunda que por ventura era sua,também?
Alguns telefonas começaram a surgir,sms e emails mas eu sem paciência e sem Alice para me ajudar a organizar tudo era difícil eu me concentrar em fazer algo além de pensar no nosso fim.
Com o passar do tempo eu fui atendendo as ligações de alguns amigos e explicava pra alguns a história e parava,respirava fundo,então dizia a frase que eu temi por todos as frações de segundos desde então:"Alice me deixara."
Algumas vezes logo depois que eu mencionava isso eu ouvia do outro lado um silêncio constrangedor,uma vontade de desligar por não saber o que dizer e logo depois um pedido de desculpas por tocar no assunto.
Eu conseguia dormir algumas horas por causa de alguns remédios que Alice deixara na gaveta dela antes de partir,muitas vezes misturei com bebidas e muitas vezes fiquei bêbado e antes de cair no sono profundo eu chorava feito uma criança,soluçava e culpava a Deus pela minha dor,mas logo caia no sono e era quando,às vezes,me livrava da tristeza da minha vida,isso quando ela não entrava lá pra tirar minha paz até em outro estado de espírito.
As semanas e os meses seguintes foram péssimos,eu pedi férias do trabalho e o que eu recebi foi uma demissão por falta de empenho nos últimos dias que eu estivera lá; as luzes foram cortadas e a água também,fiquei a base de velas por algum tempo até meus pais me mandarem dinheiro para que eu fosse pagar as contas.
Certa vez,cansado de ficar bêbado,chorar e ir dormir,fui caminhar pelas noites vagas da cidade de São Paulo,caminhei por ruas que eu nem sabia que existiam,andei e corri a noite inteira e sentei em uma praça esperando a luz do dia chegar e me mandar embora pra casa para que eu pudesse morrer de cirrose,fome ou de depressão.
Quando no caminho de casa,com as mãos nos bolsos e olhar abaixado,ouvi um barulho familiar e levantei a cabeça e a girei para o lado. Era Alice rindo. Era ela. Ela estava na minha frente rindo com sua gargalhada de sempre.
Senti aquele mesmo arrepio na espinha quando ela me deixou e fiquei ali paralisado olhando ela gargalhar com alguma amiga que eu não quis saber quem era. Ela não me viu e atravessou a rua de mãos dadas com a garota.
Alice deixou o cabelo crescer e pintou as unhas de vermelho e estava de salto alto,coisas que nunca fizera antes mas o que me agradou em vê-la,mesmo que de relance,foi por saber que alguns costumes não vão mudar... como seu riso. Incrível como vou lembrar do seu riso,do seu sorriso,do seu olhar e das suas caretas.
Continuei andando em direção ao meu apartamento e subi até o último andar e quando adentrei a sala e senti o cheiro de colônia de Alice no fundo daquela casa eu tive certeza que alguma coisa nela seria para sempre. Ela seria para sempre.
Um ano e meio se passou desde que Alice me deixou. Estou bem,de verdade. Consegui meu emprego de volta e estou pagando as contas normalmente. Me mudei para o edifício da frente onde o aluguel é mais barato e eu moro no primeiro andar,o apartamento cheira a velharias da minha avó e a geladeira aqui anda cheia. Parei de beber e fumar,também. Consigo rir de piadas que me contam e tive um encontro com uma garota nessa semana,ela é interessante e tem um riso diferente de Alice,aliás,ninguém chegará perto do que ela foi para mim. Alice foi minha vida e se voltasse para mim continuaria sendo. Só queria que ela soubesse que se quisesse eu a aceitaria de novo,para todo o sempre.

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