8/28/2010

O dia em que nos perdemos de nós.

Era cedo ainda,se não me engano estive acordada desde quando o sol saiu.Você acordou e então nos enfrentamos por alguns minutos.Eu sorri,você revirou os olhos e levantou-se assustado,apressado,atrasado. Em menos de um minuto vi você pegar suas roupas e sapatos e sumir porta a fora do meu apartamento. Não nos despedimos. Levantei e encarei janela à fora. Trânsito matinal era tudo que poderia se ver da janela do meu quarto,na verdade era a única coisa que chamava atenção ao olhar para baixo. Sai da janela,cambaleei até o guarda-roupa e tirei uma blusa sua,uma das milhares que eu te dera e você fazia questão de esquece-lá aqui. Dei alguns passos curtos até chegar na cama e deitei novamente,rolei por ela com a intenção de chegar na escrivaninha que se encontrava junto a minha cama. Em cima dela pude observar nosso retrato,a nossa primeira foto juntos por algum bar em alguma viela sem era nem bera,procurando embriagar-se pra esquecer da vida. Lembrei da noite em que nos conhecemos. Lembrei de como fomos cuidadosos até avançar para o namoro. Lembro-me de como me olhava nos olhos e do modo hostil que me arrancava gargalhadas. Lembro-me,também,o modo como me acarenciava e como me arrancava suspiros por baixo do cobertor. Voltei a realidade quando o telefone tocou e era você. Embaralhando-se nas palavras,falando rápido e sem nenhum sentido ouvi você dizer,por fim,que aquele era o término. Deixei o telefone cair das minhas mãos que não já não conseguiam parar de tremer. Fui até o espelho e tentei olhar o que tinha de errado. Voltei a realidade,novamente,e corri para o telefone. Você já tinha desligado. Retornei a ligação e não ouvi nada do outro lado além de uma secretária eletrônica pedindo pra deixar uma merda de recado. Não deixei nenhum recado. Parei,analisei o quarto,como se eu estivesse procurando algo e na verdade eu estava procurando,estava procurando por você. Fui a última a saber que já tivera terminado esse relacionamento,não sei o que estava sustentando e não sei porque não me dei conta disso antes. Apesar de eu ser honesta comigo mesma eu ainda não tinha aceitado. Peguei o retrato em cima da escrivaninha e joguei com toda minha força contra a parede,fazendo virar milhões de pedacinhos de vidro. Minha cabeça rodava,minha mente não conseguia focar em nada que me fosse util. Resolvi agir por impulso. Vestir-me,como quem se veste para ir para o abatedouro ver animais serem crucificados. O tempo estava contra mim,o dia estava passando mais rápido do que começou. Tomei o elevador e na porta,para minha felicidade,consegui um táxi. Não conseguia pensar em nada no caminho para a casa dele. Tentei ligar novamente,avisando que há poucos minutos estariamos frente-a-frente. Eu tinha uma cópia da chave do seu apartamento. Desisti de ligar e subir as escadas,algumas vezes eu tropecei,outras vezes eu cair por conta das lágrimas que estavam nos olhos e não me deixavam enxergar. Não quis bater na porta,ele poderia não me atender. Tirei do bolso a chave,coloquei na fechadura e abri a porta como quem está a espera de um presente empolgante. Procurei usar passos silenciosos e ao mesmo tempo rápidos. Você estava na sala,um café em uma mão e um cigarro em outro. Havia muito tempo desde a última vez que eu o vi fumando. Desmoronei ali mesmo,não consegui dizer uma só palavra que pudesse expressar toda dor que eu estava sentindo naquele momento. Ele entendeu e me acompanhou em um silêncio doloroso,apenas me abraçou e deu-me um beijo na testa. Eu o abracei como uma criança abraça alguém de confiança por estar com muito medo de algo. Eu estava com medo de como seria o amanhã. Ele era a minha vida e toda minha adolescência,e toda minha metamorfose e todas as minhas manhãs,tardes e noites,e todos os lugares mais belos para o qual já fui. Ele era,ele estava e sempre estaria em tudo que eu imaginasse,pensasse ou falasse. Ele então quebrou o silêncio.
- Espero que um dia você possa me perdoar. - Disse ele com um tom de voz suave,como se soubesse exatamente o que estava passando comigo.
- Eu não posso perdoar algo que eu não esteja de acordo. - Enxuguei as lágrimas do rosto. - Esse é o dia em que você se perdeu de mim.
Levantei,o fitei pela última vez,coloquei a chave em cima da mesa e sai. Desci as escadas uma de cada vez,acho que eu estava começando a contar cada degrau. Algo na minha garganta estava arranhando,me sufocando. As lágrimas eram amargas,dolorosas e sofridas. Cheguei até a portaria,demorou para que aparecesse um táxi livre,não me importei com tamanha demora. Fui para o meu apartamento e deitei,e sofri e não me olhei no espelho por dias,semanas,meses. E me perdi de mim mesma. Não sentia fome,sede,medo,angústia,não conseguia mais chorar ou me perguntar o porque. Me prendi em um mundo que criei para mim mesma onde ninguém mais conseguiu entrar. Passaram-se meses,foram os seis meses mais longo da minha vida. O telefone tocou numa manhã ensolarada de verão,eu estava pronta para passar o dia na cama me remoendo por ele ainda ser a minha vida. Atendi o telefone depois de quatro ou cinco toques.
- Alô? - Minha voz falhava.
- Eu sinto muito! - Do outro lado,uma voz amorosa e ao mesmo tempo culpada. Era minha mãe. - Ele,bom,enquanto você esteve trancada por esses meses dentro do seu apartamento,ele não conseguiu se perdoar pelo que fez com você e então,na noite de ontem ele se jogou na frente de um caminhão no caminho para alguma cidade vizinha.
Minha respiração congelou. Eu não consegui piscar os olhos. Minhas mãos estavam suadas e trêmulas. Puxei o ar do fundo do peito,sacudi a cabeça e retruquei.
- Você está me dizendo que ele se matou? - Eu rezava para ser uma brincadeira.
- Estou. E sinto muitíssimo. Ele deixou um bilhete para você,quer saber o que dizia?
- Sim!O que dizia? - Tremi.
- "Querida,quando disse há seis meses atrás que eu tinha me perdido de você,tinha razão,eu me perdi. Não posso explicar o motivo pelo qual te deixei mas hoje eu deixo a vida por você. Espero que me perdoe por faze-lá sofrer tanto tempo sem saber a verdade. Lembre-se,eu te amo e você ainda será minha vida,além da eternidade. Esse é o dia em que nos perdemos de nós."
Desliguei o telefone assim que soube que era o fim do bilhete. Procurei uma caixa em baixo da cama na qual você guardava seus pertences. Descobri que você já planeja isso há muito tempo. Ali,dentro da caixa,havia uma camisa sua e uma arma embrulhada nela.
- Que coisa piegas. - Pensei em voz alta. - Pena que não posso viver em um mundo em que você não exista.
Peguei um papel e uma caneta e rabisquei algumas palavras,logo depois peguei a arma,destravei-a e puxei o gatilho.

No bilhete em que escrevi estava escrito:"Hoje é o dia em que nos encontramos novamente"

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