4/02/2017

Detalhes

Eu queria ter ficado. Eu gostaria de poder ter ficado. Eu queria ter tido a escolha de ficar, mas escolhas, volta e meia, independem do nosso querer e é por isso que eu precisei partir. 

Toda vez que chove eu lembro daquele dia. Ainda ouço sua voz ecoar na minha mente perguntando, retoricamente, a razão de me desfazer de tudo aquilo. Você nunca entendeu minhas verdades, mas como poderia? Eu nunca lhe contei metade daquilo que se passava em minha mente. Mas se eu contasse, você seria capaz de entender sem julgar ou sem me fazer repensar nas minhas escolhas?

Suas lágrimas se confundiam com a chuva forte. Era a mistura perfeita de gélido e quente, pude perceber esse detalhe quando pus, em vão, meus dedos abaixo dos seus olhos numa tentativa frustada de seca-las. Você não me olhava diretamente nos olhos. Acho que não conseguia. Tudo bem, eu não te olhei nos olhos no dia em que precisei partir. E isso ainda dói. 

Suas mãos trémulas encontravam as minhas toda vez que eu alcançava seu rosto, nunca soube se pelo frio trazido pela chuva forte ou aquilo era um sinal de medo de me perder. Você nunca me contou se tinha medo de me perder, acho que não é o tipo de coisa que se pergunta ao outro e por isso eu nunca soube. Contudo, eu nunca te disse que tinha medo de te perder, também. 

Seu casaco estava ensopado quando você me envolveu nos seus braços. Ainda parecia quente ali dentro, mesmo com o tempo caótico que caía sobre nós. Você deitou sua cabeça no meu ombro e instalou um beijo em meu pescoço. Ainda lembro de me forçar a manter os olhos abertos. Aquilo, aquele pequeno ato de fechar os olhos, poderia mudar todo o rumo desta história. 

Você se afastou e entre os passos cambaleantes olhava para trás. Eu vi o seu medo derreter naquela chuva. Você sabia, ali, que era o fim. Enquanto eu ainda não via dessa forma. Não era o fim para mim, mesmo que eu não pudesse mais ficar contigo naquele momento. Três passos a frente e eu já tinha desaparecido da sua vida. Sua expressão te denunciou. 

Você se tornou um ponto no meu campo de visão a cada passo mais distante de mim, até que dobrou a esquina e eu não pude mais vê-la. A aquela altura, a chuva cessara. O céu começava a abrir espaço para o sol quente. Ao voltar meus olhos para a esquina em que vi você desaparecer, eu percebi que as coisas são assim. O que fica, o que marca, são os detalhes. 

Tomei o ônibus. A única mala que eu tinha já estava guardada há um tempo. Senti falta de ter algo nas mãos naquele instante. Talvez eu pudesse me distrair e não repassar aquele momento durante toda a viagem, mas foi exatamente o que eu fiz. Eu perdi você, você me perdeu, tudo isso de forma involuntária e fora do nosso alcance de mudança. Eu detesto lembrar desse momento e saber que eu não poderia ter mudado aquilo mesmo que quisesse. 

A vida, enfim, é isso: um emaranhado de detalhes que vão se entrelaçando, se estendendo, se moldando e se modificando com a passagem do tempo. Lugares, pessoas, histórias. Tudo isso precisa de uma renovação para continuar existindo. Não há o que se falar em perdas. Você não perde, você mantém - mesmo que no mais profundo da sua memória -, independente do tempo ou do quão vivo você permaneça na mente de outrem; algumas coisas simplesmente são fadadas a acabar e, talvez, essa seja a parte boa das mudanças. Elas dão espaços para novas histórias, lugares e pessoas. Ninguém e nada é insubstituível, mas a gente vai sempre se lembrar de um detalhe ou dois que remete a algo do passado. 

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