2/20/2015

Como eu descobri que não temos tempo.

Hoje venho contar a história de um rapaz, um amigo de longa data. Alterarei o nome do mesmo para não criar nenhum problema e vou chama-lo de Joseph - porque, segundo ele, era o nome que daria a um filho, caso tivesse um. 

Joseph tinha vinte e dois anos quando tudo começou. Ele foi diagnosticado com um câncer severo de um grau avançado demais para que quimioterapia ou cirurgias resolvessem, então ele só estava vivendo todos os dias que pudesse como se fosse o último, porque, de fato, poderia ser. 


Joseph me ligou em um dia de sol e perguntou o que eu estava fazendo.

- Nada, cara. E você? - Eu quis saber.
- Bom, nada também. - Ele riu um pouco. - Acho que deveríamos fazer algo hoje, o que acha?
- Estou cansado, cara. - Eu suspirei. E, pra ser sincero, eu estava mesmo cansado, tinha acabado de chegar em casa do trabalho, não dormia há dias e só comia porcaria enlatada.
- Ah... - Ele suspirou fundo e ficou em silêncio por um instante. - Tudo bem. Se você melhorar, me liga? Quero muito passar um tempo com você. 
- Claro, cara! Amanhã faremos algo, te prometo. - Eu disse e desliguei. 

Eu desliguei o telefone sem ouvir um tchau, adeus, se cuide ou até logo. Eu simplesmente desliguei a porra do telefone porque eu estava cansado demais para ouvir o que quer que fosse. Eu só desliguei. E eu desliguei porque eu sou egoísta demais pra lidar com os problemas alheios quando eu acho que os meus problemas são os únicos do mundo.


Então, mais tarde, naquele mesmo dia, alguém me ligou. O número era desconhecido - e eu geralmente não atendo esse tipo de ligação - e eu atendi porque algo em mim estava obrigando-me a atender. 


Então um estrondo iniciou-se dentro da minha mente. Era como se eu estivesse dentro de uma caixa preta enorme e aos poucos eu fosse perdendo o ar. Eu não conseguia respirar, tampouco falar algo. Eu me sentia sufocado, amarrado dentro de mim mesmo, preso e engavetado. A garganta arranhava, eu queria gritar mas nada saia. Então veio a vontade de vomitar. Minha mente rodava, rodava, rodava. Eu não conseguia pensar, sentir, andar, respirar. Nada! Eu não conseguia nem chorar.


E do outro lado da linha alguém ainda estava chorando enquanto repetia a frase: "Joseph está morto."


E, como num passe de mágica, eu dormi. Profundamente. 


Quando acordei, eu estava deitado em uma sala branca, com inúmeras pessoas correndo pra lá e pra cá, só conseguia enxergar luzes a me cegar e ouvir os ecos dos sapatos alheios instalando no piso de mármore. 


Ainda não me sentia bem para falar ou levantar. E, juro a vocês: este foi o melhor momento daquele dia. Eu ainda não estava lembrando do que ocorrera, de como cheguei ali ou o que tinha acontecido. E então, em um súbito, eu me lembrei. Eu lembrei de tudo! 


A dor que eu senti no peito era avassaladora. Não há como explicar a alguém como é perder uma pessoa, principalmente se for seu melhor amigo. É difícil pra mim até hoje tentar explicar como dói todas as vezes em que penso em Joseph. 


Por eu ter desmaiado naquela sala de estar do meu apartamento e batido a cabeça, fiquei dois dias fora do ar. O pior não foi acordar com dor, com fraturas ou algo assim, o pior foi acordar e receber a notícia de que eu jamais veria o meu amigo outra vez. E, como se o mundo conspirasse contra mim, eu havia perdido o funeral dele. 


Não preciso lhes contar a parte óbvia dessa história onde eu quebrei inúmeros aparelhos médicos, destruir algumas outras coisas, xinguei meio mundo de pessoas e chorei feito uma criança pequena que acabara de perder-se dos seus pais. 


A dor era e sempre será profunda demais para que eu possa falar a respeito de Joseph sem chorar ou pensar nas coisas que planejávamos juntos e que não tivemos tempo de realizar.


O Joseph se foi. A culpa me invade todos os dias. Sei que não foi minha culpa ele falecer, mas me culpo todos os dias por não ter ido vê-lo aquele dia em que ele me ligou. Segundo a mãe do Joseph, ele tinha alugado uns filmes, comprado umas comidas super legais e deixado Call of Duty a minha espera. E eu sabia que era tudo para mim porque Joseph sempre odiou esse tipo de game. 


Apesar de um fardo horrível que eu suporto diariamente, eu tento ser feliz ao meu modo. Ainda estou aqui, firme e forme. E amanhã, eu vou estar? Eu não posso dizer. Assim como eu não poderia saber que o Joseph partiria naquela noite.


E é com um conselho do fundo da minha alma que termino esta história: o tempo, meus amigos, não existe. Porque, de fato, quem sabe quanto tempo temos? Então, aproveitem. Ame seus amigos, sua família e ame tudo que puder amar, com a maior intensidade que há dentro do teu coração. Apenas ame! E faça mais: aproveite. Aproveite o cair de uma folha da árvore, as gotas de chuva que lambuzam teu rosto, o sol maravilhoso que faz lá fora. Aproveite. Aproveite momentos, pessoas, risadas, lugares. Não passe despercebido e não deixe que nada em sua vida passe despercebido. 


Temos a ignorância de achar que tudo que está aqui estará depois. Que somos eternos, que o tempo é um fato e que ele existe. Não somos eternos, o tempo não existe e eu posso nunca mais escrever outra coisa como esta. E, portanto, és o que peço: viva intensamente e ame como se fosse nunca tivesse sido machucado. 


Se eu pudesse, eu teria amado mais o Joseph enquanto eu tinha tempo. Mas o tempo não existe mais. E nem o Joseph.

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