3/15/2014

O cotidiano.

Você liga a TV e vai para a cozinha, gosta do barulho da TV ao fundo pois lhe faz sentir um pouco mais segura, como se houvesse outro ser ali além de você embora saiba que essa solidão não passa com ruídos e grunhidos que a TV causa. Você está na cozinha e se apoia numa perna, depois na outra e fica nessa até lembrar o que foi fazer ali. Café de ontem, põe no microondas e reaquece para parecer novinho em folha mas você sente aquele gosto de ontem e sabe que as coisas, por mais que você tente e se esforce, não podem ter o sabor de antes. Você se perde em pensamentos soltos enquanto senta e assiste a TV, provavelmente outro avião caiu ou mais alguém famoso faleceu mas você não se importa porque essas notícias estão ali todos os dias, como se o noticiário ficasse repetindo as catástrofes todos os dias com a diferença de lugar e pessoas envolvidas. Você não entende mais a vida e quer fugir dessa rotina cansada que leva há anos mas não sabe nem por onde escapar, não vê saída ou rota de fuga dessa mediocridade do dia-a-dia e sabe que, apesar de querer desesperadamente sumir por um mês ou dois, você precisa ficar e resolver as coisas que precisam ser resolvidas diariamente. Você pensa no seu cachorro e imagina o que aconteceria com ele caso você resolvesse dar a tal sumida, então volta a órbita e tira essa ideia maluca da cabeça pois sabe que ali tem uma alma que precisa de você para sobreviver. Então você esquece a TV e o café, caminha sem pressa alguma até o banheiro e se olha por alguns minutos diante do espelho e quase sorri pra aquela pessoa ali refletida: é você mas você não é mais você há tanto tempo. Isso quase te faz entrar em pânico, você sente falta de quem você costuma ser mas já não consegue mais ser aquela pessoa de antes. Tantas coisas te aconteceram para que transformasse nessa pessoa meio amargurada, meio desconfiada, meio tanto faz. Você perdeu aquela alegria de sempre, aquele sorriso doce que tinha assim que acordava e o mundo não pode mais te culpar por isso, você têm aprendido da maneira mais difícil possível a ser um ser humano como outro qualquer. Você terá seus sonhos destruídos, sua alma amassada por porções de palavras e atitudes mas você não deve temer tanto assim, afinal, isso lhe trouxe um aprendizado que nenhum dos livros da sua estante poderia te trazer. Você cansa de sentir dó de si mesma, respira fundo e tenta enfrentar o dia. Sai apressada depois de um banho pois já sabe que está atrasada, suas sessões consigo mesma estão demorando mais ultimamente pois há questionamentos demais dos quais você queria obter respostas e não consegue nada. O tráfego é de se queixar mas você não lamenta, você gosta de andar de ônibus pela cidade enquanto observa os lugares, pessoas e o que mais puder observar. A cidade pela manhã parece quase plena, saudável, mais viva até. Te dá uma saudade de quando você tinha alguém para acompanha-la nessas viagens de ônibus ao trabalho. Você se lembra dele mas não dura muito, afinal, você se prometeu esquecê-lo mas não tem sido bem sucedida na tal promessa. Pouco depois você chega naquele lugar lotado de pessoas e sempre anda um pouco mais rápido com medo de ser trombada por alguém pois se considera frágil e pequena demais para não cair ou se machucar. Ofegante, você chega e senta. Põe os fones e não olha pros lados. Sabe que alguns pares curiosos de olhares estão voltados pra você. Você finge não ligar e fica trocando de música numa tentativa desesperada de se ocupar com algo que não seja aqueles olhares curiosos. O dia segue e você percebe que será mais um dia comum, como todos os outros, apesar daquela pequena esperança no seu coração de que algo realmente interessante acabará por acontecer e mudará todo o seu humor e o curso do seu dia. Você sente falta da mulher que era antes pois aquela lá sabia se divertir, a de hoje segue uma rotina fatigada e está sempre tão ocupada com tudo que mal tem tempo para amigos e barzinhos. E você e todos os seus amigos já não gostam tanto da mulher que você se tornou, apesar de ser uma mulher de sucesso. Você não se importa mais, vê seu ciclo de amizades diminuindo a cada dia e não se tranca no quarto e chora a noite de inteira. Você aprendeu a perder as pessoas e, apesar de difícil, isso foi um dos melhores aprendizados que já teve. Quando alguém parte, ainda dói. Acho que essas partidas sempre vão doer, mais cedo ou mais tarde, mas já não é tão grande coisa assim pra você. Você só respira fundo e segue em frente, sabe que se não ficam é por que não deveriam nem entrar. Pensa tão diferente de um ou dois anos atrás que isso assusta demais os conhecidos que você não vê há anos e se encontram por caso. Dizem que você mudou muito e te dão um sorriso falso, você sente mas devolve o sorriso da melhor forma possível. Você ensaiou tantos sorrisos falsos que agora eles são seus sorrisos naturais e ninguém percebe. Você chega em casa exausta, cansada do dia chato e das pessoas curiosas, você só quer um café quente e um filme de comédia meia boca pra aliviar a tensão do apartamento. Você está sozinha, como sempre. Você ri desesperadamente duma comédia boba só por não ter rido há tanto tempo. Ri alto, com gosto, mas quando acaba aquele riso que ecoa pela sala de estar você se põe a chorar. E chora muito. E parece que vai desidratar. Você só senta e chora. E você não quer fazer mais nada além de ficar sentada e chorando. Chora quase sempre porque alivia alguma dor que você não sabe onde começa ou onde termina, chora por que sente uma dor tão urgente e sabe que não tem cura. Você limpa as lágrimas mescladas com o rímel e caminha descansada até sua cama. De lá você vê o céu. Hoje está limpo, estrelado e dá pra ver a lua enquanto você está deitada. Você sorri e se acha boba. Você, por fim, fecha os olhos e pensa: amanhã vai ser um dia maravilhoso. E dorme. E acorda e liga a TV e vai para a cozinha. Sabe que o dia vai ser uma merda, como todos os outros. 

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