Outro dia,
perdida entre meus passos apressados pelas ruas desconhecidas, me veio teu
rosto em meio a multidão. Não era você, obviamente. Não havia ninguém do outro
lado da rua, da pista, esperando o semáforo fechar para poder atravessar. Mas,
ainda sim, me veio seu rosto. Todos os detalhes do rosto que eu costumava
acarenciar pouco antes de dormir. Vi seu sorriso em minha direção, o mesmo
sorriso tranquilo e travesso que me dava toda vez que eu cantava uma música com
a minha voz rouca e esquisita. Como pode, Deus, voltar assim teus aspectos e
defeitos duma só vez, em meio ao nada, sem eu nem se quer estar pensando em
você? Atravessei a rua com passos largos e firmes, eu queria tanto que você
estivesse mesmo ali que não pensei duas vezes antes de correr e ir ao alcance
dos teus braços. Virou pó, evaporou, sumiu de cena. Aos pouquinhos, eu vi o teu
rosto ir sumindo entre a neblina que cortava o inverno, teu sorriso doce já não
era mais visível e teus olhos, sempre tão bondosos, haviam dado lugar ao nada.
Eu não ouço mais o nosso blues. E nenhuma outra canção que me lembre nós dois.
Você sumiu da mesma forma que chegou: rápido e selvagem, arrebatando tudo e
destruindo qualquer coisa que estivesse ao seu alcance. Então, aos pouquinhos,
também, eu fui sumindo. Por que eu também precisava sumir de você. E fui
deixando de lado essa obsessão de pertencer a um ser humano, seja quem fosse. E
sumi pra minha própria lucidez. Por que, meu amor, se eu ficasse mais um
pouquinho ouvindo aquele blues, eu enlouqueceria.
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