As estrelas caíram do céu e o mesmo perdeu sua cor
azul-claro, dando espaço para o breu e as trevas. Energia elétrica não
iluminava a cidade mas sim o clarão que as chamas exalavam. Sonhos viravam pó,
assim como os corpos carbonizados; não havia abrigo ou para onde correr.
Estávamos cercados pelo medo, pela dor e pela agonia, o vento uivava mas tudo
que se ouviu eram os gritos aterrorizantes. O fogaréu não cessava, o desespero
ia tomando formas e habitava corpos a cada novo instante, já não havia para
onde correr, se esconder ou fugir e mesmo assim, teimosos que somos,
continuamos correndo contra o nada afim de achar um novo rumo, um horizonte
descente, qualquer lugar em que eu não precisássemos mais agonizar um pelos
outros. Por esse caminho, rumo ao nada, via-se mais dor e medo espalhando-se, a
imagem dos pais agarrando-se aos corpos dos filhos e filhos agarrando-se aos
corpos dos pais era ainda mais chocante quando visto ao vivo, sem câmeras, sem
televisão ou mídia anunciando mais uma catástrofe. Crianças corriam na mesma
direção que eu seguia, poderiam correr por qualquer brincadeira comum mas
corriam por um ato instintivo de manter-se salvas. Era mesmo o tal fim do mundo
acontecendo diante dos meus próprios olhos? Eu via sangue, eu via pessoas
morrendo, eu via lágrimas transbordando de olhos incrédulos. A cada nova rua
que tomava forma em minha frente eu via algo inacreditável e impiedoso
acontecer. Não havia modos de salvar alguém naquela situação, era cada um por
si, mesmo assim eu esperava que pudesse salva-los, não querendo brincar de Deus
mas ver todos aqueles rostos sendo dilacerados por outros rostos ou pela catástrofe
em si machucava ainda mais a minha alma. A fé que eu tinha ficara para uma
outra hora, tudo que conseguia me habitar agora era o medo, a angustia e as
lembranças torturantes do que meus olhos jamais esquecerão. Quanto mais eu
corria, mais minhas pernas não saiam do lugar. Cansado, fraco e desgastado mas
haviam vozes dentro e fora de mim que me faziam continuar, apesar dos momentos
em que o medo era tão grandioso que paralisava todos os membros do meu corpo,
eu procurei me agarrar a aquele ultimo fio de fé que eu sabia que ainda existia
dentro de mim. A cada novo lugar (sim, novo lugar, por que todos os velhos
lugares agora eram novos, pintados de sangue e brilhante pelo fogo que se
alastrava) rotas colidiam-se e o desespero era prato principal daqueles que
ainda estavam correndo; eu sentia uma aflição intensa por não salvar aquelas
vidas perdidas e jogadas ao chão como se nada valessem e por um ultimo súbito de
desespero meu decidi que agora, mais do que nunca, era preciso correr e salvar
a imagem e as lembranças boas e bonitas que fizeram ser quem sou. E lá estava
eu, correndo contra quilômetros de carros parados, correndo contra centenas de
corpos espalhados pelo asfalto, e quanto mais eu corria mais perto eu chegava
do meu destino: o coração da minha família. Era por cada um deles que eu corria
contra tudo e todos, era por eles que eu me apegava ao ultimo fio de fé que
restara, era por eles que eu me motivei a deixar a paralisia membrana de lado e
correr o mais rápido que eu pudesse. Nada do que eu fizera era por mim. Eu não
tentei sobreviver por mim, era exclusivamente por eles. Exclusivamente por cada
um deles. Então, ao chegar e casa e perceber que o inferno da cidade não se
instalara ali, sosseguei-me no sofá abraçado junto a todos eles. Chorei sim,
chorei muito, por um breve momento me passou a idéia de nunca mais poder
abraçar ou olhos cada par de olhos ali presente com vida, outra vez. Hoje,
depois do caos, percebi uma grandiosa coisa: não cumpri metas, não segui leis,
não alcancei objetivos mas se agora fosse me tomada a vida, mesmo que de forma súbita,
eu estaria tranqüilo em partir pois eu aprendi a lição mais valiosa que um ser
humano pode aprender: a fé e o amor não movem montanhas mas te dá energia
suficiente para que você vá até elas.
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