1/14/2011

A garota de salto alto.

Me perdi em uma dessas ruas grandes e movimentadas não porque eu quis mas porque me perder era o que eu fazia de melhor,eu encontrava na minha perdição um modo de fuga pra pensar enquanto alguém (ou ninguém) me procurava,e eu estava ali,entrando em mais um beco sinistro onde a única luz que se pode ver é o clarão do poste da outra rua iluminando um devido ponto mas reiluminando o resto próximo e eu estava próximo mas não me sentia iluminado. Atravessando aquele beco quase-escuro e observando nele garrafas de natasha jogadas próximas ao lixo,encontrei uma moça. Talvez fosse um rapaz,mas eu gostaria que fosse uma moça. De costas,seus cabelos negros até a cintura e o vento batendo contra o seu corpo me fez sentir o cheiro do seu perfume,um daqueles que você pode encontrar em revistas e a longo prazo ele talvez chegue,sua roupa vulgar me fez acreditar que estivesse trabalhando,seu salto alto a deixava uns quinze centímetros maior do seu tamanho normal mas como iria saber?Jamais tivera visto algo tão deslumbrante como o seu formato apenas de costas e me aproximei,desviei o olhar e parei na calçada oposta da qual ela estava. Ela segurava junto a si sua bolsa e um cigarro entre os dedos esvaindo fumaça sem parar era o que fazia todos olharem pra ela com aquele olhar de recriminação.
A moça deve ter entendido o olhar dos demais ou só observou alguém tampando o nariz quando passava por ela e então apagou seu cigarro para a boa ética da sociedade mas logo depois reiniciou seu costume e puxo outro cigarro do bolso de trás da calça. Seus olhares incertos e inconstantes pareciam procurar por alguma coisa perdida,assim como os meus também.
Foi então que ela girou seu corpo em minha direção,mesmo do lado oposto da calçada,e olhou pra mim. Talvez não tenha olhado diretamente pra mim,vai saber,nunca saberei,minha miopia têm aumentado aos poucos e naquele momento eu não tinha os meus óculos em mãos,mas se fosse pra escolher,gostaria que estivesse olhando pra mim.
Puxou o último trago do cigarro e esperou o semáforo ficar no vermelho e atravessou junto com um monte de pessoas sem graças e apressadas pela faixa branca da rua. Eu exitei e virei o olhar,virei meu corpo para qualquer outro lugar mas algo prendia minha atenção naquela moça,foi então que ela tocou meu ombro:
- Você está perdido? - Não consegui achar seus olhos por debaixo daquela franja caida por eles.
- Talvez,mas não quero ser encontrado. - Procurei novamente seus olhos e nada.
Ela tirou a franja dos olhos,me olhou como quem tivesse achado o que estava perdido e sorriu. - Talvez estejamos na mesma situação.
- Achei que você estivesse trabalhando. - Abaixei a cabeça antes que ela pudesse dizer algo.
- Talvez,mas não quero trabalhar hoje. - Ela sorriu novamente e eu levantei meus olhos para fitar os dela.
- Você é uma garota de programa? - Eu estremeci embora soubesse a reposta.
- Sim,não,talvez. Você quer que eu seja uma?
- Não,não... Bem,você é muito bonita pra vender seu corpo. - Eu sorri de lado.
Ela riu e eu consegui ouvir o som da sua risada,embora baixinha fez eu me sentir um objeto pequeno sem utilidade alguma.
- Eu não sou,se é isso que pensa. Na verdade eu nem tenho um trabalho e sai da casa dos meus pais há poucos meses,então,tenho me virado com alguns bicos como modelo. - Ela passou o cabelo pra trás da orelha e eu pude ver o começo da sua tatuagem no pescoço.
- Desculpe,eu não me apresentei. Sou Igor. - Extendi a mão.
- Moara. - Ela extendeu também.
Não acredito em destino,em sorte,em exum,em correntes,em forças de outro mundo,em Deus ou em qualquer outro tipo de gigante que me faça ter uma segunda chance,quando acontecem coisas boas comigo eu apenas acho que erraram de endereço,por isso eu sempre me mantenho afastado de tudo que é bom e espero sempre o pior porque eu sei que um dia tudo que é belo em minha vida há de deixar cicatrizes e ir embora pela primeira porta ou janela que achar,mas com a moça,a Moara,eu não estava certo disso,talvez eu estivesse começando a acreditar em sorte,em destino,em Deus.
Ficamos conversando um bom tempo perto de um poste que iluminava a mim e a ela mas não iluminava o resto,eu me senti importante e especial por ter uma luz focando em mim enquanto todo o resto do mundo,naquele momento,não estava focado e eu dividira esse momento com aquela moça,a do salto alto.
Ela me contou seus sonhos,suas trágedias,suas derrotas,suas glória e eu contei pra ela coisas sobre o universo,gastronomia e programas de televisão,embora diferentes um do outro,me senti igual. Me senti estranhamente unico para ela enquanto ela estava sendo a unica pra mim,mas eu sabia que acabaria e não demoraria muito.
Ela me ofereceu um cigarro e eu aceitei,ela puxou outro e iníciou seu ciclo sem fim. Eu mal sabia tragar e depois de uma crise de risada dela e uma crise sem graça por passar um vexame na frente de uma linda mulher,ela me ensinou. Ela me ensinou em poucas horas que beleza não é tudo,que as aparências enganam e que tudo que já te ensinaram na escola pode ser mentira. Ela era linda,eu estava lindo com ela junto a mim.
Deitados no banco da praça onde resolvemos caminhar depois daquela luz focando a mim e a ela,resolvemos criar expectativas e embora eu mal a conhecesse,eu mal sabia quem ela era,eu apostei todas as minhas fichas numa garota de salto alto. Logo eu,que sempre achei garotas de salto alto tão vulgares e tão não confiáveis. E ela apostou suas fichas em mim.
Não nos beijamos naquela noite,na verdade no fim da noite tudo que eu recebi dela foi um beijo na bochecha e atenção.
Outro dia amanheceu e eu resolvi me perder de novo pelos mesmo lugares,mas não a encontrei e a relembrei nos meus pensamentos e dormi noite e dia pensando naqueles cabelos negros,naquela franja que impossibilitava de ver seus olhos. E eu lembrava do seu sorriso,dos seus gostos,das suas história.
A garota de salto alto tivera em minha vida e a deixara no mesmo momento,agora toda mulher de salto alto me lembra a ela e em todas eu busco algo novo pra me fazer esquecer dela mas o barulho do salto dela pelo concreto era unico,não tinha igual.
O barulho do salto dela era a melodia que eu ouvia todas as noites antes de dormi. Isso fazem alguns logos anos,mas eu nunca me esqueci daquela noite com a garota quase-prostituta-com-sorriso-perfeito-de-salto-alto. E eu sorri,todos os dias,depois daquela noite por que eu,agora,sabia que uma mulher de salto alto pode me fazer bem.

2 comentários:

Delafonte disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Delafonte disse...

Gostei muito da estória. Difícil um blogue de prosa que seja bom. O seu parece ser muito bom mesmo. Vou dar mais uma voltinha por aqui. Até.