1/17/2011

Dois capítulos e um mesmo verso.

Primeiro ato: O menino.
Depois de umas três xícaras de café eu tive a certeza que a moça sentanda em um banco próximo a porta de entrada me olhava enquanto tomava seu café,e me olhava tomar o meu,ela sorria. Pensei que fosse engano,pensei até que eu deveria parecer com um cara que ela saiu uma vez,com o primo dela que nem mora na cidade ou com um ex namorado de uma velha amiga,mas quem derá meu Deus se fosse um engano bobo,a toa,mas não era. Nunca é.
A moça dos olhos azuis hipnotizantes me olhava por cima do ombro depois que eu a olhei algumas vezes na minha pausa do café para abocanhar uns pãezinhos que estavam sob a mesa,e mesmo com a boca cheia de queijo ralado ela continuava a me filmar por cima do ombro. Ela não vira eu olha-la se quer uma vez.
Que diabos! Mulheres não sabem desfarçar as coisas? Pensei uma porção de vezes em ir até lá e perguntar o que ela queria,sendo o mais rude possível era capaz dela não olhar mais e era tudo que eu precisava naquele momento: Que ninguém olhasse pra mim. Por que dói,sabe? Dói muito quando alguém te olha com uns olhos cerrados sob os ombros com aquele ar de que você deve muito mais que sua alma a ela,mas dói muito mais quando a pessoa que você gostava que te olhasse estivera partido. E se foi,viu? Se foi há muito tempo e eu senti uma falta danada daquela safada que me esquecia todo dia no sofá da sala e acordava as três da manhã depois de uma rapidinha na qual eu dormia cheio de prazer e ela não sentia nada e ia pro meu quarto deixar seu cheiro empregnado no meus lençóis.
Não era por nada,qualquer outra mulher podia ter deitado na minha cama e poderia até ter jogado seu frasco de perfume inteiro na minha cama que eu ia dormir como sempre,sem lembrar de porra nenhuma do que ela foi pra mim,mas aquela mulher que não tinha a intenção nenhuma de deixar seu cheiro era a que sempre deixava e com ele ficavam suas digitais pelo quarto e a bagunça matinal e toda confusão que mulher antiga arranja quando dorme com um cara no primeiro encontro.
Mas ela se foi,e eu senti uma falta grande no começo mas estive melhor do que esperava,já consigo ir dormir sem lembrar dela e acordo sem chamar seu nome,o amor ainda não acabou. Acho que estou destinado a ama-lá para sempre,só sei que as boas lembranças se foram e tudo que restou dela eu guardei numa caixa vazia que eu mandei um amigo esconder para toda a eternidade para que eu não pudesse jamais achar. Durou uma unica estação mas é como se fosse toda uma vida.
E tinha a moça sentada próxima a porta de entrada,de tanto lembrar o antigo olhar que me constragia mas me deixava feliz eu tinha esquecido da moça sem escrúpulos que me olhava. Pensei se era uma garota de programa querendo fazer um serviço pra pagar o café,pensei se fosse alguém que eu conhecesse,pensei até que fosse ela mas se fosse,voltaria pra mim não é? Se fosse,chamaria meu nome e sorriria. O cabelo dela nem se quer é castanho,era loiro,eu ainda lembro. Pensei em tanta coisa mas fiquei vazio,não dei espaço pra que se aproximasse também.
Continue no meu terceiro cafézinho e comendo os meus pãezinhos e tentando bolar alguma coisa pra se fazer em um fim de semana numa cidade grande onde a unica pessoa que você conhece é seu colega de quarto,mas não tinha nada a se fazer a não ser ficar naquele Café junto a tantas outras pessoas sem planos pro final de semana.
- Com licença? - A garçonete me incomodou e eu olhei para cima para fita-la - Aquela moça no balcão pediu pra te entregar isso.
A garçonete me extendeu um pedaço de guardanapo no qual havia escrito: Posso me sentar?
- Desculpe incomodar,senhor,mas ela pediu pra que o senhor desse uma resposta atrás. - A garçonete sorria com os olhos brilhando como se tivesse acabado de sair de um cinema cujo filme era aqueles romancezinhos clichês.
Peguei uma caneta do bolso e rabisquei atrá: Acho melhor não!
Curto e grosso,me ensinaram que quando você está mal e não quer contaminar ninguém você precisa,às vezes,de uma grosseria para que elas possam entender isso.
A garçonete pegou o papel ainda com aquele olhar e aquele sorriso sem saber o que eu havia escrito e entregou pra moça. Eu a observei pra ver se ela ia me dar um dedo,mandar eu chupar limão ou qualquer coisa,mas não teve nada. Ela só levantou,sorriu e foi embora. Engraçado,mas eu senti o cheiro dela e me lembrou a minha paixão.
- Outro café,por favor!
Adeus,moça do balcão.

Segundo ato: A moça do balcão.
Eu já tinha observado chegar mas não fui direto ao ponto,só precisava de certeza para saber se era ele,e era,viu? Eu olhei demais,eu observei demais mas talvez ele nem deva estar se incomodando,nem deva estar se quer sabendo que estou olhando. Meu cabelo tá bom? De costas eu pareço uma mistura de girafa com orangotango,mas se eu manter a pose talvez ele olhe. Eu poderia dar uma risada um pouco mais alta e com certeza ele olharia,eu jogaria o cabelo e um sorriso,deu certo tantas vezes e acho que com ele não vai ser diferente,não é? Mas e se ele não olhar? Porque mesmo eu estou fazendo isso? Eu não tenho nem mais certeza se é ele.
O cara que eu conheci há tanto tempo nesse mesmo Café não era assim,talvez seja alguém muito parecido com ele a ponto de me enganar completamente e me fazer ficar girando o pescoço de meio em meio minuto pra ver se ele se tocava e olhava. Só preciso que ele olhe uma unica vez. Mas ele não olhou nenhuma vez que eu olhei. Vazio,solidão,voltei aos meus quinze anos quando eu contei para um garoto que eu estava gostando dele e ele falou que eu era uma pirralha e que jamais sairia comigo. Voltei a exatamente o ponto onde eu passei três dias tracafiada no quarto escrevendo no meu diário o quanto ele era estúpido e quanto eu gostava dele mesmo assim. Eu estava assim,realmente,eu não sabia porque mas aquele cara me deixava em tranze. Bom,se é que é ele mesmo né? Porque ficar em traze por alguém que não é quem você pensa que é não é nada legal.
Voltei a noite em que abandonei a minha louca paixão. Era final de inverno e minhas lágrimas quase empedravam em meu rosto enquanto eu virava as costas batendo a porta do apartamento dele e gritando escada abaixo dizendo que eu não queria mais ele. A verdade é que eu fui embora porque sou covarde demais pra me deixar magoar de novo,sofri muitas vezes para os meus vinte e tantos anos e não queria isso de novo,até porque ele era um caso novo e eu poderia esquecer fácil. Erro meu,só o amei mais a cada dia depois que fui embora. E olha,o cheiro dele ficou em mim por semanas,o cheiro que exalava o quarto dele se empregnou na minha pele uma porção de vezes e em qualquer lugar que eu ia eu tentava sentir um aroma parecido com aquele pra ver se eu tomava coragem pra voltar e contar toda a verdade e dizer coisas bonitas e pedir perdão e suplicar o amor dele de volta,mas nunca tive coragem,nunca voltei.
Continue olhando mas o cabelo cobria boa parte do meu rosto então eu ficava em vantagem. Talvez fosse ele e,talvez,ele não tivesse reconhecido,aos vinte e tantos anos já se existem cabelos brancos,sabia? Pintei de castanho e tirei aquele loiro-cor-de-sol porque eu sempre me achava meio burrinha com aquela cor de cabelo.
Tive a idéia de chamar a garçonete e pedir um favor.
- Você poderia fazer um grande favor pra mim? - Perguntei enquanto afagava as suas duas mãos.
- Sim,senhora,pode sim! - Ela sorriu. Sorriso de gente honesta,de gente boa,me ganhou ali.
Peguei um guardanapo e rasguei só um pedaço e escrevi nele,passei o bilhete para as mãos dela sem que ninguém visse e sorri com os olhos.
- Pode,por favor,entregar esse bilhete ao cara sentado na mesa junto a janela? Acho que ele é o amor da minha vida que eu perdi uma vez e se for ele de verdade,eu quero minha segunda chance. - Eu sorri e soltei suas mãos.
Ela sorriu e abriu os olhos como quem estivesse esperando por isso a vida inteira,o brilho agradável,uma química perfeita naqueles olhos. E o estômago quase embrulhando,as mãos suando,as pernas balançando,a bolsa que eu insistia em trocar de lado enquanto ela não voltava com uma resposta ou com ele me dizendo que se lembrava de mim.
Então ela voltou,com o mesmo brilho nos olhos e o mesmo sorriso e me entregou o bilhete de volta.
Eu sorria enquanto desembrulhava o bilhete e ela segurava as mãos em força de alguém que fosse orar,estava mais anciosa que eu. E abri,e respirei fundo,e sorri ao abrir os olhos mas meu sorriso se desfez. Olhei pelos ombros pra ele e ainda continuava a comer os pãezinhos e tomar o café,nada mudou.
- E então,senhora? - A garçonete perguntou sorrindo.
- Não era ele. - Eu dei um sorriso de quem precisava sair correndo e chorar a noite toda.
Joguei o papel na lata do lixo que ficava ao lado onde eu me sentara,entreguei o dinheiro do meu capuccino e agradeci por tudo. Embora o sorriso dela ainda estivesse lá,o brilho dos olhos havia ido embora. O meu brilho havia ido também mas eu não tinha mais o sorriso após sair pela porta.
Era ele. Era eu. Mas não fomos feito pra dar certo.
Adeus,meu menino.

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