11/23/2010

Ultimo bilhete.

Eram pouco mais que cinco da manhã quando Ana levantou-se na cama do hospital e ficou esperando alguma coisa ou alguém ou alguma lembrança denunciar onde ela estava. Cheirava mal,fazia frio,só escutava os passos do lado de fora daquele quarto. Nada e nem ninguém entrava ali e isso estava irritando-a. Sem poder se mexer por causa de inúmeros aparelhos ligado ao seu corpo,ela gemeu alto para que alguém pudesse a escutar. Não deu outra e apareceu uma senhora na porta do seu quarto vestida toda de branco e uma plaqueta em suas mãos com um sorriso aliviado. Adentrou a sala e foi verificando se os equipamentos estavam em ordem mas antes que pudesse tocar em qualquer um deles,Ana pegou em sua mão. A enfermeira tomou um susto e a olhou.

- O que eu estou fazendo aqui? - Perguntou Ana ainda assustada com tudo.
- Querida,você teve algumas complicações com seu corpo e trouxemos você pra cá. O seu acompanhante está lá fora,quer que eu vá chama-lo?

Ana não disse nada,apenas afirmou com a cabeça e então viu a enfermeira sumir sem verificar os equipamentos e isso a deixou preocupada pois,já que estava ali para verificar que verificasse,ora.

Algumas batidas na porta fizeram os pensamentos de Ana sumirem como pó. A sua frente estava o seu melhor amigo,Pedro,com aquele sorriso angelical de sempre,mãos no bolso e cabelos super bagunçados. Ele fazia o tipo de todas as garotas,inclusive o tipo dela.

- Você está melhor? - Perguntou Pedro aproximando-se da cama.
- Eu estou ótima. Podemos ir embora?
- Daqui a pouco. Parece que vai receber alta daqui a pouco.
- Não gosto de hospitais,Peu. E eu estou seriamente encrencada com meus pais por não está em casa,não é?
- Não!Eu liguei para o seu pai quando chegamos aqui na madrugada de quinta e avisei que você estaria aqui pois tivera alguns problemas,ele foi meio rude como sempre mas disse que ligaria para ter notícias.
- Como sempre. - Repetiu Ana. - Madrugada de quinta? Hoje é terça-feira,acabei de ver na plaqueta da enfermeira. Eu não acordo desde quinta?
- É. Você estava em coma ou alguma coisa semelhante a isso,na verdade eu não sei muito sobre isso,só sei o que me contaram e como eles usam esse vocabulário cheio de bons modos,entendi o apenas:"Ela vai ficar boa logo" e isso me contentou e eu não quis saber o resto. Podemos perguntar,se quiser.
- Não quero. Me sinto bem,quero ir embora.
- Você terá que ficar na minha casa por alguns dias. Seus pais estão viajando ainda e não vão voltar hoje,só daqui há duas semanas,seu irmão é irresponsável demais pra cuidar de você. Já falei com minha mãe,então,não haverá problemas. Mas só se você quiser,claro.
- Quero sim. Quero mesmo.

As horas que se arrastaram por aquele dia foram mais longas que todos os outros dias,demorou desmasiadamente um tanto para que Ana pudesse se ver livre daquele hospital. Quando na casa do Pedro,resolveram alugar alguns filmes e assisti-los em casa.

- Não seria legal convidar sua mãe para assistir? - Perguntou Ana.
- Ela não está. Só somos eu,você e o filme.
Ana corou. Pedro corou. A sala foi invadida por bochechas rosadas,silêncio e olhares distraídos.

- Precisamos conversar! - Disse Pedro. - Acho que estamos esquecendo do quanto somos amigos e estamos indo pra um outro nível. Não que você não seja interessante. Você é. Demais,na verdade. Eu só quero uma melhor amiga e você é a unica pessoa que eu tenho. - Ele então afagou as mãos de Ana.

Silêncio. Pausa no pensamento. Colocando as palavras em ordem. Lágrimas querendo escorrer pelos olhos. Segurando o choro,respirando fundo e soltando suspiros.

- Não,é claro. - Ana fingiu sorrir - Somos amigos,melhores amigos. É,somos apenas isso.

Então Pedro sorriu. Ana sorriu. Cada um para o seu canto. O filme começou e eles estavam a,no mínimo,cinco metros de distância um do outro. As vezes,quando iam pegar a pipoca,a mão dela encontrava a dele. Eles se olhavam e riam mas não era aquela alegria por achar a mão do cara que tem seu coração nas mãos,era aquele sorriso do tipo "se você sorrir,sorrirei também".

Algumas longas horas depois,depois de uns dois ou três filmes,Ana cogitou a idéia de ir embora e se entregar ao seu irmão irresponsável que,pelo menos,iria escutar ela reclamar o quanto os homens são idiotas e iria fazer brigadeiro pra ela e só depois ela perceberia que era o capacho na vida de todas as pessoas com quem ela se relacionava.

- Vou dormir. - Disse Ana.
- Tem um problema. - Pedro coçou a cabeça.
- Qual?
- Vamos ter que dormir na mesma cama. - Franziu os lábios.
- Ah. Eu... durmo... - Nesse momento ela girou seu corpo pela sala tentando observar algum canto em que pudesse dormir. - aqui? - Apontou para o sofá. - Aqui! Dormirei aqui. - Ela sorriu e sentou com uma almofada em suas mãos.
- Não,Ana. Você não quer dividir a cama comigo,tudo bem. Eu durmo no sofá,não há problema.
- Não é isso,achei que você estivesse com essa história de melhores amigos. Só queria te poupar de uma noite sendo quase um casal. - Ela sorriu de lado.
- Eu quero uma noite sendo quase um casal. - Ele devolveu o sorriso torto.

Se aprontaram,se arrumaram para a noite de sono que ninguém saberia qual seria o fim. Cada um deitou de um lado da cama e cobriram-se cada um com um lençol. Sem sono. A estrela estava cheia. O quarto estava vazio sem o som das palavras de nem um dos dois. Se olharam e sorriram mais uma vez um para o outro. Se aproximaram. Ele pegou a mão dela e levou ao rosto dele enquanto ele colocava uma das mãos na cintura dela.

- O que está fazendo? - Perguntou Ana,em sussurros.
- Tendo uma noite de casal.
- Achei que era apenas dividir a cama.
- Achei que quisesse um casal verdadeiro.
- Não podemos continuar.
- Por que não?
- Sou virgem,sou sua melhor amiga e amanhã vai está tudo estranho entre nós.
- Eu sei,eu sei e eu sei. E se eu te quiser como mais que uma melhor amiga?
- Você disse o oposto disso há algumas horas atrás.
- E se eu não estivesse realmente querendo dizer aquilo? Apenas,sei lá,estivesse mantendo nossa amizade em uma bolha invisível para que estivesse segura.
- Ploc - Ana fez um som com a boca. - Sua bolha da amizade estourou. - Ela riu.

Ele riu e se aproximou mais um pouco. Tirou alguns fios do cabelo dela da frente dos olhos,acarenciou sua pele,descobrindo todas as curvas que aperfeiçoavam o corpo de Ana,Pedro se entregou e ela cedeu. Beijos,blues e poesia. Amor,sexo ou era sexo,amor? Tanto faz.

O dia seguinte foi estranho. Ana acordou sem as roupas,sozinha,em uma casa diferente,em um quarto diferente,com um perfeito masculino invadindo todo o seu pulmão. O quarto dele não era tão agradável sem ele lá. Seus olhos tentaram encontrar ele,procuram e procuram alguma pista. Nada. Vagou até o banheiro e viu um bilhete pendurado no espelho.

Ana,me desculpe,tive que ir. Luana me ligou. Não é incrível? Acho que vamos voltar. Te conto tudo quando eu voltar mas não me espere,posso ficar por lá mesmo. Um beijo,Pedro.

PS: Suas roupas estão no meu armário. Obrigado pela noite.

Pense. Reflita. Burrice ou apenas mais um cara idiota? Não importava mais. Você deu sua vida a ele naquela noite e ele foi atrás da vagabunda da ex-namorada dele que dormiu com,praticamente,todos os amigos dele. Espero que ela tenha te ligado e pedido pra vê-la só pra ela te lembrar o quanto babaca,imbecil e impotente você é. - Pensou Ana antes de pegar suas roupas do armário,vesti-las e ir embora sem olhar para trás.

Os meses que se passaram foram como uma dose de tequila para Ana. Fez muito bem mas em excesso daria uma ressaca terrível quando você se desse conta da burrada. Ana estava extremamente linda. Loira,alta,olhos azuis. O típico de sempre,exceto por um detalhe: A superioridade que alcançou.

Quando passava na rua ela era chamada de todos os apelidos possíveis,cantadas ridículas e assobios escrotos,diferente de quando era apenas aquela Ana boa moça,bom coração e amiga do mundo. Ops,pequeno descuido. Criaram um monstro ou o monstro apenas veio a tona? Não importava mais qual a era a verdade. Ela sabia o quanto ela podia causar e causou.

Volta às aulas. Pedro na porta do colégio de ensino médio com seus amigos hipócritas de sempre,rindo e falando sobre todas as garotas que eles já ficaram um dia. Ana,por sua vez,sempre só mas dessa vez acompanhada de uma beleza surreal e inacreditável que até então homem algum tinha visto. Seu cabelo tinha crescido,sua maquiagem agora era extremamente perfeita e suas roupas eram,com certeza,da ultima moda em Paris,o salto alto denunciava sua habilidade para equilibrar-se diante de tamanho alto-ego que agora tinha.

Pedro,entusiasmado,foi ao encontro de Ana sorrindo e querendo puxar conversa e ela,por sua vez,com sua cara de deboche,sua língua afiada e seu coração remendado.

- Nossa. Você está linda.
- Eu sei,queridinho. - Sarcasmo gritava.
- Você está diferente. Não sei,parece que cresceu,mentalmente,sabe?
- Enquanto alguns crescem outros apenas continuam os idiotas de sempre.

Pedro entendeu. Fingiu não entender. Continuou.

- Eu terminei com a Luana,sabia? - Ele parou e voltou a falar. - Na verdade,ela terminou comigo. Bom,naquele dia que eu fui na casa dela era apenas pra eu pegar algumas coisas de volta,sabe? Nada demais.

Ana riu pensando no quanto idiota,imbecil e estúpido aquilo menino se tornara diante de seus olhos naquele momento.

- Olha,eu entendo que você está aí,carente e morrendo de amores por qualquer rabo de saia que apareça na sua frente mas se você está pensando que eu vou ficar com você para depois sair sendo exibida como um troféu,esqueça.
- Não... A gente pode se encontrar? Marcar um cinema,quem sabe? Sair um pouco.
- Não,não podemos.
- Ah,qual é. Vamos ser um quase casal,novamente. - Ele sorriu maliciosamente.

Ana pensou. Cedeu. Aceitou a proposta. E la se foi,novamente,Ana e Pedro dividindo uma mesma cama,um só lençol,um corpo nú dentro do outro,em cima do outro. Pedro não soubera antes mas amava aquela menina,aquela menina da qual ele a tornou mulher. Ele estava disposto a te-la para sempre com ele,afagada assim no seu peito,fazendo carinho e rindo sobre bobagens como sempre foram. Estava disposto a dizer que a amava,que a queria como sua namorada mas quando criou coragem,Ana dormiu.

De manhã,Pedro acordou e procurou Ana pra sentir o seu calor matinal. Não viu nada. Procurou algum vestígio daqueles cabelos loiros por aquele cômodo e não encontrou. Levantou. Procurou alguma coisa. Celular,roupa,dinheiro,qualquer coisa servia só pra saber que era ele quem estava ali. Pegou a calça e viu o bolso. Um bilhete com um beijo deixado em vermelho no papel em branco. Desdobrou o bilhete e leu em voz alta.

Pedro,você não vai acreditar. O Adam me ligou e adivinha? Ele me pediu em namoro e eu aceitei,não é incrível? Estou indo morar com ele na França,talvez eu volte nas férias,mudei de número então não temos mais comunicação mas será sempre o meu melhor amigo.

PS: Obrigada pela noite. Ah,só queria te dizer que eu não te amo mais,babaca

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