10/02/2010

Os detalhes.

Tenho um vício incontrolável:Gosto de me apaixonar de cara pelas pessoas. Sejam elas limpas,sujas,novas,velhas,estudantes ou vagabundos. Gosto mesmo é de me apaixonar cada dia por um tipo de pessoa diferente. Gosto de descobri-la,de encontrar os detalhes,reparar como e quando os pêlos do seu corpo se atiçam,observar calmamente cada sinal há no seu rosto e os vários modos como essa pessoa pode sorrir. Gosto de imaginar as cenas com essas pessoas,cenas em qual eu estou,cenas de como eu poderia revirar o mundo de alguém e parar de me apaixonar todos os dias por pessoas diferentes e passar a me apaixonar todos os dias pela mesma pessoa.
Um dia desses,num desses dias normais que você nunca espera mais que uma rotina cansada,me deparei com um rapaz jovem,bonito,barba por fazer,olhos claros,cabelos castanhos. Entre seus dedos um único utensílio:um cigarro. O vi andar e rodar o mesmo local umas duas vezes até sentar no banco da praça e tirar da mochila azul-marinho um caderno completamente acabado e uma caneta; suas mãos se movimentavam mais rápido do que meus olhos poderiam acompanha-lo,como se ele soubesse exatamente sobre o que estava escrevendo e pensei que não fosse nada pra alguém,era apenas algo dele,que ele jamais mostraria pra alguém... frases que escrevemos e não mandamos,que mofam no fundo do nosso caderno com letras borradas e riscos por cima de palavras que não deveriam pertencer aquela folha.
Ele então parou e olhou pro lado,vi uma menina se aproximar dele mas esse já não teve reação. Nenhum sorriso,nenhum olhar penetrante,nenhuma expressão de amor ou ódio. Deu a última tragada no cigarro antes de lança-lo ao chão e pisoteá-lo.
A moça,que de longe parecia alta,dos cabelos curtos e loiros deu um sorriso na direção do rapaz e sentou-se ao seu lado. Fitou o horizonte por alguns segundos antes de abrir a boca e fecha-lá sem dizer nenhuma palavra e voltou a faze-lo,dessa vez saindo alguma coisa.
De longe não pude ouvir quase nada a não ser um "Ok","tudo bem","eu ficarei bem","eu te ligo outro dia". A expressão do rapaz era incrédula quando a moça levantou-se e saiu sem falar nada,sem dois beijinhos ou uma afagada em suas mãos ou ombro.
Dessa vez ele fitou o horizonte por algum tempo,puxou a mochila a tira colo e puxo um cigarro e tirou do bolso da calça um isqueiro. Acendeu seu cigarro como se acendesse uma vela para sua morte. Tragou uma,duas,três... foi o cigarro mais rápido que eu vi alguém fumar. Abriu a mochila e tirou outro cigarro e iniciou o ciclo novamente.
Deixou o caderno de lado e colocou suas mãos entre seu rosto,como se algo de muito ruim estivesse lhe acontecido. Ele respirou mais alto do que acho que gostaria,tanto que pude ouvi-lo. E ele me olhou.
Que olhos eram aqueles?Como se algo nele estivesse suplicando perdão a alguém e com certeza não era pra mim ou pra aquela moça que acabara de sair dali. Ele nem se quer a olhou nos olhos e quando a olhou da primeira e última vez naquele quase-encontro seus olhos não transpareciam aquela dor.
Ele agora guardava seus pertences na mochila e levantava. Voltei a rabiscar alguma coisa no caderno pra transparecer que ele não era o alvo da minha tarde. Tarde demais. Ele vinha caminhando na minha direção. Franzi o lábio e ergui a cabeça pra olha-lo.
- Posso me sentar? - Perguntou ele.
- Pode. - Assenti chegando para o lado e levando comigo a minha bolsa.
- Posso saber seu nome? - Ele olhava para o chão.
- Por que?
- Quero saber o nome da garota que passou quase duas horas me observando.
- Eu... não... - Minha voz falhou completamente.
- Ei,eu gostei. Nunca vi ninguém me observar tão detalhadamente.
- Qual o seu nome? - Desviei o olhar para o caderno.
- Gabriel. Não vai dizer o seu? - Ele acompanhou o movimento que minhas mãos faziam na página em branco do caderno.
- Yasmin. Me chamo Yasmin. - Olhei pra ele. - Posso te fazer uma pergunta?
- Quantas você quiser. - Ele sorriu,não um sorriso que eu pudesse ver os dentes dele,só um sorriso bobo jogado na cara.
- Era sua namorada?
- Era.
- Vocês terminaram?
- Ela terminou.
- Você está bem?
- Estou. - Ele sorriu,dessa vez,mostrando os dentes.
- Está? - Desconfiei.
- Não eramos um para o outro.
- Tudo bem. - Dei de ombros.
(Um período de dois minutos de silêncio fez com que o ar parecesse dois anos)
- Tá escrevendo o que? - Perguntou ele puxando assunto.
- Um texto.
- Fala sobre o que?
- Sobre você.
- E o que você escreveu sobre mim até então?
- Coisas que você nunca vai ler.
- Por que?
- São minhas palavras e ninguém vai entende-las.
- Eu posso tentar.
- E se fracassar?
- Vou estar tentando de qualquer forma.
- Não posso.
- Por que?
- Mostraria a você minha alma.
- Você escreve com a alma? - Ele riu.
- Escrevo. Gosto de mim,assim,transparente.
- Podemos entrar em um acordo?
- Qual?
- Mostre-me sua alma que lhe mostro a minha.
- Qual foi seu último texto?
- Há umas duas horas.
- Sobre o que?
- Sobre você.
- Então não quero ver sua alma.
Ele riu. - Não gostaria de saber como vejo você?
Pensei,repensei. Espaço grande de silêncio. Me entreguei.
- Dei-me seu caderno. - Sorri,fraquejei.
Ele então tirou da sua mochila o seu caderno quase destroçado e deu um sorriso que mais parecia um pedido de desculpas do que um modo de mostrar afeição,passou o caderno pro meu colo na página rabiscada cujo título era "te encontrei por aqui" e logo que me distrair com com o caderno em mãos ele tomou do meu colo o meu caderno e começou a ler. E eu li coisas sobre mim que eu nunca,jamais,achei que alguém estivesse ciente além de mim.
- "... observadora nata,não parou de me olhar e não retribuir o olhar com medo de que parasse de me observar. Seu tênis estava sujo,se eu tiver tempo vou dizer isso a ela se eu parar pra conversar com ela." - Eu ri relendo trechos do texto dele.
- Eu gostei do seu texto sobre mim. - Ele sorriu e passou o meu caderno para meu colo,em contra partida,pegando seu caderno.
(silêncio,um duro silêncio)
- Preciso ir. - Sussurrei sem querer dizer essa frase.
- Pra onde?
- Pra casa.
- Posso te ver de novo?
- Eu vou estar aqui amanhã no mesmo horário.
- Eu estarei também.
Levantei devagar e coloquei minhas coisas na bolsa,afaguei seu ombro enquanto dava a volta no banco e me vi sumir dali em poucos segundos. Sumi,sumindo,me virei pra ver se havia vestígio dele. Nada. Fui pra casa e dormi.
Desde aquele dia tenho me levantado cedo,tomado café com edulcorantes e tendo inspiração para escrever textos.
Todos os dias,às três horas,encontro Gabriel e conversamos sobre coisas,sobre pessoas,sobre literatura e verdades.
Nunca conversamos sobre amor... mas se me perguntassem qualquer detalhe sobre aquele rapaz eu saberia responder.

2 comentários:

vinícius reis disse...

Me sinto muito à vontade pra dizer que a organização textual, a idéia, a intenção e toda a emoção foi muito bem colocada. Estou com os olhos brilhando de pura afeição pela troca de "detalhes" entre os protagonistas. Parabéns, Yasmin. Você é muito boa.

vinícius reis disse...

Me sinto muito à vontade pra dizer que a organização textual, a idéia, a intenção e toda a emoção foi muito bem colocada. Estou com os olhos brilhando de pura afeição pela troca de "detalhes" entre os protagonistas. Parabéns, Yasmin. Você é muito boa.